18.3.10

Eu por vezes pego uma flor da rua e coloco na minha mesa.
Ela fica bem, sem água nem nada, por alguns dias.
Quando ela já está encolhida e escurecida no cantinho eu resolvo ver se ela ainda vive.
Mas como afinal a gente pode saber que uma flor morreu?
Quando é que a "alma" dela se vai? Quando é que, de um organismo dotado de funções, ela passa a ser apenas matéria?
Deveria, eu penso inconformada, ter como medir suas pulsações!
Então eu poderia dar o atestado de óbito, organizar o funeral e entoar algumas muito hipócritas orações (não que eu não goste de flores, não gosto é de orações!).
Mas não há como saber, por mais que eu me esforce em descobrir.
A flor apodrece devagar, o fungo toma seu miolo e o cheiro fúnebre paira ao lado de minha cama.
Não obstante a colônia se formando silenciosa, a cor das pétalas e caule permanece e, em alguns casos, se torna ainda mais poderosa.
Estando alí prova irrefutável de sua "presença", me pego pensando que eu jamais poderia deixar de ver vida em sua estrutura frágil e macia, ainda que decomposta.
E ainda, não posso conceber que tenha deixado de haver vida abruptamente quando o processo de decomposição é tão flúido - sem começo, nem fim.
Então quem sabe devo entender que não existe essa hora? Quem sabe não existe um ponto onde se esvai a vida? Mas, se a vida não se esvai, me vejo num beco que, se não sem saída, é bastante apertado.
Ora, ou a flor nunca teve de fato vida (o que sabemos que não é verdade, diante de tantas provas como, por exemplo, a fotossíntese),ou a vida da flor persiste independentemente do que aconteça com o corpo.
Se isso acontece de fato, acontece com todas as flores e sempre e em todos os lugares.
Pensando assim, me sentiria estranha sentada aqui onde estou - um enorme depósito de vida vegetal invisível.

Mas, sabe, eu sequer acredito em alma humana.
É por isso que a flor sempre vira adubo quando o fungo aparece e eu, delicada mas firmemente, a deposito sem arrependimento no pé do pinheiro do quintal.

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