29.5.10

Da Realidade da Realidade

A realidade não é de forma alguma algo palpável.
A realidade é uma enorme e infinita nuvem - a que tentamos tolamente e o tempo inteiro deter num frasco qualquer - com alguns pontos mais condensados que outros, alguns pontos mais opacos que outros, mas nem por isso mais existentes que outros.


A substância rarefeita no entanto, pode e é, muitas vezes, simplesmente negada, ignorada e motivo de zombaria pela maior parte do corpo cego chamado sociedade. Não obstante aqueles que blasfêmam contra a realidade do que é incomum, ainda persistem os chamados "lunáticos", em suas próprias realidades, nem mais nem menos reais que qualquer outra. Poderemos entender perfeitamente essa equidade de valores sabendo o que constitui a "nuvem" e é, em essência, bastante simples: ela é apenas o resultado de infinitas equações envolvendo nada mais que especulações pessoais minhas, suas e de todos os outros.

O grande problema é que ninguém é sábio o bastante para chegar até o resultado, mesmo porque para tal feito precisaríamos no mínimo conhecer todos os X's da questão, ou seja, absolutamente tudo o que existe.

Se, por alguma razão, quiséssemos saber a realidade da água, então teríamos que saber também a realidade de tudo o que envolve a água, mas para isso precisaríamos saber também a realidade de tudo de tudo o que envolve a água e assim por diante.

Alguns corajosos já se aventuraram no medonho emaranhado de contas sem números e, posso lhes garantir, morreram-se todos antes de chegarem a qualquer resultado confiável dessas subtrações do vazio, somas da completude, multiplicação do infinito e divisões do nada em particular.

Mas esses são casos extremos, não podemos deixar de lembrar que todos de alguma forma tentamos fazer os cálculos a respeito da nossa própria, pequena e ordinária realidade; isso acontece justamente enquanto estamos sonhando e então nossa alma se sente livre para penetrar a teia abstrata e aceitar o nonsense como páreo duro para o cotidiano no que se refere à probabilidade de ocorrência. É este o único momento em que o que somos e o que queremos ser se transforma plenamente em unidade; nem sempre dá certo, mas você poderia se surpreender se descobrisse o quão mais fácil é voar no universo rarefeito. Depois que descobrisse e aceitasse isto, então os sonhos com o irrestrito se tornariam mais frequentes. E então você começaria a se lembrar deles com maior prazer, sentado à mesa do café da manhã, e o contaria então cada vez mais satisfeito para sua totalmente incrédula e sonolenta esposa. A partir deste ponto, você passaria a sonhar acordado e cada vez mais seu chefe lhe chamaria atenção enquanto você tivesse acessos de riso durante o expediente.

A parada final seria o rótulo, então você sairia por aí embalado em um plástico fedido contendo uma etiqueta em vermelho: "Lunático".

E é exatamente isso o que todos tentam evitar o tempo todo, é por isso que os cérebros teoricamente mais astutos aprenderam a esquecer os sonhos assim que se abrem os olhos.
Não sei os outros, mas pensar nisso sempre fez meu estômago afundar e meu coração doer. Se morrem os sonhos que são, conforme constatamos, o resultado do que somos e o que queremos ser e o que tememos ser e etc e etc, morremos também de algum jeito nós mesmos, um pouquinho de cada vez.

E eu, que sempre tive medo de me perder e me despedaçar com o tempo, sempre tive também medo de perder meus sonhos.

24.5.10

Sobre o que a gente vê (só) com o canto dos olhos

Bizarro mas real:
Julguei me ver (de relance) na tela negra, apagada, da televisão e, vaidosa como sou, quis olhar de frente pra ver se já haviam nascido as rugas.
Nada vi, só o negro.
Olhei pro outro lado e lá estava meu perfil refletido novamente.
E que angústia é ter que escolher entre a nitidez e a imagem!
Fiquei assim, confusa, na gangorra:

Enfrentei.
Vazio.
Virei.
(Meio que) Me vi.
Encarei.
Nada.
Fugi.
Apareci.
Implorei.
Perdi.
E de novo.
De novo.
Mais uma vez.
A última.
Cansei.
Parti.

Fim =)

23.5.10

Gula

Enchi a cesta de jabuticaba antes da hora porque pensei que nunca mais sentiria tanta fome quanto então sentia. Aí no dia seguinte senti fome de novo mas não tinha mais nada para colher.
Agora tudo o que posso fazer é sentar no pé do pé, ouvindo o ronco insano de dentro e esperando a estação voltar pra mim.

20.5.10

Assimetria

"A cosmologia sugere assim que após o Big Bang, formaram-se grandes quantidades de matéria e anti-matéria, mas elas logo se aniquilaram, produzindo o Universo dominado por radiação em que vivemos. (...) um bilhão de prótons aniquilaram um bilhão de anti-prótons produzindo dois bilhões de fótons… (...) para cada um bilhão de anti-prótons produzidos nos primeiros instantes do Universo, teriam sido produzidos um bilhão e um prótons. Um próton a mais. Uma pequena, ínfima assimetria, responsável por nossa existência." *
[ texto na íntegra, clicando aqui.]

Era exatamente sobre isso que eu conversava com meus asséclas.
Eu li e re-li, em voz alta, o artigo acima várias vezes antes que eles entendessem pelo menos o suficiente para que eu pudesse iniciar meu próprio discurso:

Quem nunca me ouviu falar dos abismos? Quem nunca me ouviu falar das distâncias?
E dos vazios?
Pois bem! Não haverá grandes novidades hoje de novo, haverá apenas a repetição do que eu sempre afirmo só que de vestes novas.

Há vazios, distâncias e há abismos.
Dentro de um só um pode estar, repito.
O que quero saber - o que sempre quis - é: por que isso fere?
Porque há de ferir a unidade?
Onde é que o par é melhor que o ímpar?
Pro diabos Fábio Jr. e suas metades da laranja!, minha laranja é inteira, ninguém a partiu.
E sei que as suas também são.
Somos todos laranjas inteiras!
(Alíás, por Zeus! Não somos laranjas coisa nenhuma... somos pessoas!)
Porque essa necessidade de estender-se além de si? Que pretensão é essa? Quem nos deu o direito?
Ou melhor, quem nos deu a obrigação?
Pois se fosse um direito eu já teria largado mão faz tempo!
Mas ainda assim, ainda com todo o repúdio que aprendi a sentir pelo duo, ainda assim... ainda  inconformo-me com a vida solo.
E todos, todos sem exceção, o fazem da mesma forma.
E até o padre e a freira... esses são ainda piores, se querem saber, pois, insatisfeitos com a impossibilidade de encontrar perfeição suficiente de carne e osso para formar par, resolvem formar par com deus - e aí o moldam como bem entendem.
Há também aqueles que preenchem, por segurança, o abismo com ambos os métodos: buscam o amor da terra e o amor dos céus e aí se sentem enfim como uma "laranja inteira" (ou seria tangerina, com tantos gomos?).
Certo, certo... antes que me joguem pedras, preciso adimitir que levo minha inconformidade com fúria em demasia, mas é que me corrói, simplesmente, a idéia de que se precise disso!
E, fatores biológicos à parte, nunca pude entender a infelicidade que sonda a vida solitária.
(Até porque, não ter outro ente algemado a si não significa solidão... mas aparentemente só eu penso dessa forma.)

Hoje de manhã abri o semanário e lá estava a matéria sobre as simetrias cósmicas... e - eu confesso - tudo de que preciso para não explodir com sensações inexprimíveis é encontrar uma forma de transmutá-las em expressões insensíveis!
Aí me expresso violenta... mas fria e seca:
Somos sozinhos, nascemos sozinhos - nós e as estrelas! - e seremos sempre sozinhos. Somos os restos da equação. Somos a xepa.
E o que nos falta, talvez, não seja um outro alguém. O que nos falta - agora acredito nisso piamente - é o anti-eu.
O universo nasceu e os casais se formaram e, pasme, nós ficamos para a tia!
Estamos aqui até agora, fim de festa, sentados - olhos cansados de procurar - esperando o par que erguerá a mão e fará conosco a dança cósmica
Estamos aqui, esperando... não a metade da laranja, e sim a face oposta do espelho, aquela que deveria ter vindo nos socorrer.
Porque só assim deixaríamos de ser só.
Só assim...
Só assim é que o carbono viraria luz.

*Método textual deliberadamente copiado  inspirado nas Cosmicômicas do Calvino, que, por sinal, é meu escritor preferido.

19.5.10

Dos Abismos entre Nós

Prevejo, predigo, faço presságios.
Vejo ações e reações, vejo repetição.
Eu aprendo rápido a lição e na próxima aposto alto.

Enchi os bolsos!
Eu soube sorrisos, eu soube gritos.
Eu soube os tiques nervosos.
Eu soube respostas e fiz perguntas para tê-las.
Soube perguntas e aí fugi para não dar chance de ter que ouvir.

Manipulei condições como quem leva guarda-chuva se o céu se acinzenta.
Eu disse "não", que era só pra ouvir o "sim".
[Muitas vezes também eu disse "não" mas a resposta era outra: "não mesmo!".]
Eu vi as progressões, previ o fim.
Vi regressos, vizualizei o começo.
Eu fiz vir, eu fiz ficar, eu fiz ir, fiz voltar.

Marabales de atitudes!
E eu andei na corda bamba só porque sabia da cama elástica no chão.
Eu achei que soubesse o mundo.
Eu apostei no inverso e no verso copiado.
Apostei no refrão.

Sobre você?
Apostei no seu fracasso...
Eu achei que te soubesse.
Porque eu soube das tuas palavras e pude dizê-las baixinho antes que você o fizesse - como aquele que de tanto ler o roteiro sabe as falas de trás pra frente.
Te vi cerrar os dentes e eu soube!
Aprendi teus atos, um a um, e estive lá para receber alguns... outros eu castrei!
Comemorei: houve desistência tua - vitória minha! - e eu disse "puxa vida", enquanto seguia pro norte te desejando boa sorte e tocando meu flautin.
Eu pus fim.

Pus fim a muitas coisas antes que elas tivessem um começo.
E dei, por baixo dos panos, início ao fio que o destino se recusou a tecer.
Uma olhada e eu não esqueço:
Pude provocar o próprio provocar.
Eu recuei pra poder ver melhor o recuo.
Eu olhei o céu às 18:00 porque sabia do pôr-do-sol...
Depois acendi as luzes, já esperando o escuro.

Eu soube dos fatos, mas nunca soube das pessoas.
Eu soube das causas e dos efeitos, mas nunca soube das almas.
Eu soube das indas e vindas.
Soube das feridas, mas nunca senti uma só que não fosse a minha.
E foi aí que arrebentou a linha:
Eu nunca soube pessoas.
Me perdi por aí, andei a esmo... porque dentro de um só um pode estar: ele mesmo.

18.5.10

Fogo

Prosepina fugia do fogo.
Porque o Corpo de Bombeiros queimava tão alto que até lá, da torre dela, no castelo dela, no alto da montanha dela, ela se asfixiava com a fumaça.
Daí Prosepina correu pela cidade tentando achar escape, mas nada.
Foi pro porto, mas lá não tinha mais barco nenhum...
E aí Prosepina entrou num bar, onde as mamães preparavam as mamadeiras das crianças famintas e no rádio o radialista berrava como um louco! Berrava porque o povo apagava o fogo com os barcos do porto.
Prosepina saiu correndo e quis se jogar no mar... que a moça boba achava que morrer assim é melhor que assado - literalmente.
Mas Prosepina se esqueceu das piranhas, e só se lembrou delas quando foi carregada pelas ondas e desaguou no rio mais próximo.
E agora ela via: o Oceano Pacífico galopava feroz, pelo oeste, e jogava toda aquela água salgada no leito estreito do riozinho da beiradinha de lugar nenhum.
As estrelas-do-mar só olharam, calmamente, quando as carpas prateadas - 15 milhões delas - desceram a cachoeira para desovar.

Prosepina aí caiu sem ar, ao travesseiro agarrada - última súplica -, no chão frio da torre do castelo.
E o fogo nas cortinas, da vela derramada, consumiu então tudo o mais.

17.5.10

NHUUURRGHHHHHHRHWDCTRRRRGRAAAWWWWGHHHHHNHUUUUURRRR

Às vezes eu queria ter nascido no Paleolítico só pra poder dar um grito desses sem precisar encarar depois os olhos arregalados, as testas franzidas e os lábios comprimidos.

16.5.10

Minha intenção com a borboleta...

... era algo bastante controverso.
Primeiro de tudo eu decidi que a queria ter, e pronto. E isso já é motivo para ir lá e pegá-la - ao menos segundo a filosofia que eu havia decidido empregar em minha vida.
Veja bem, para quem nunca teve o que quis nem nunca quis o que teve, por qual motivo fosse, isso seria um grande passo (ou vôo!) em direção ao... hm... bem... ao lugar onde todos querem chegar, seja lá onde for.
O que quero dizer é que até então eu não havia feito nada por mim mesmo que envolvesse uma ação e não apenas uma reação, daí decidir que atenderia à minha vontade - fosse qual fosse - me transformava numa entidade até mesmo admirável, quando me via no espelho.
As outras razões...bom, essas eu não as sei bem, ou não quis pensar muito nisso. O fato é que eu deveria ir lá  buscá-la e prendê-la na jarra, com a tampa bem apertada, e depois veria o que fazer com ela.
Eu fui assim pro campo, onde o chão era de erva daninha e umas margaridas sufocadas. Não precisei de muito tempo para localizar meu objeto de desejo, não havia decidido qual tipo de borboleta deveria escolher então qualquer uma me satisfaria.
Vi uma pousada sobre uma rocha cinza e seu tom escarlate contrastava lindamente... me pareceu perfeita, eu a olhava e dizia: foi pra isso que eu vim!
Ela ciscava - tal qual um pinto, não porque de fato o fazia e sim porque me faltou a palavra certa! - qualquer coisa na rocha dura e eu a queria e ela alí tão quieta parecia mesmo que minha seria bem logo.
Primeiro eu nada fiz. Nem sequer sabia mesmo o que fazer... então só suspirei.
Foi com esse suspiro que ela me notou, o vento balançou suas asinhas e foi como ele lhe sussurrasse: Há alguém que te vê!
E aí ela olhou pra mim, com os olhos que eu nunca pude ver mas que de alguma forma eu sabia estarem lá e sabia estarem depositados em minha gorduchice despresível.
Mas ao contrário do asco que eu sempre soube provocar muito bem em tudo e em todos, ela me "quis".
Ela veio, três centimetrozinhos diretamente em minha direção, subiu em meu dedo! Mas quando eu quis levantá-la para que pudessemos nos aproximar, ela voou!
E que frustrante! Minha rapidez a assustou.
Mas pelo menos agora saberia o que fazer e na na próxima eu não iria errar. Assim, eu a esperei por três dias... pensei que voltaria, mas só a via ao longe - aquele pontinho vermelho sendo doce e lindo em outro lugar, pra outros olhos.
Cansado de ver de longe, eu resolvi descer o vale e tentar de novo.
Era um ambiente totalmente desconhecido para mim, somente o imaginava quando o via da janela, mas lá era ligeiramente diferente... diferente porque pululavam as borboletas de todas as cores por todos os lados e a minha perdida lá no meio.
Claro que eu a reconheci imediatamente, como seu já soubesse onde estaria, e me aproximei timidamente, os passos curtos e esporádicos como quem pergunta com medo de perguntar errado: Você se lembra de mim?
Ela nada. Por dois dias, nada.
Acordei no terceiro e era ela me beijando a face; apenas um "esbarrão", mas com um ar de intimidade que me encheu de alegria e eu logo abri os braços para retribuir.
Preciso mesmo dizer quão grande foi o vácuo em que fiquei?
Desde então se passaram 32 horas e eu estou, só agora, abaixando os braços.
Pela primeira vez desde que me decidi a tê-la penso em esquecer tudo isso, tudo isso que nunca foi, voltar ao fracasso... mas ao menos que seja real.
Nada de borboletas - por enquanto! - porque afinal eu só a queria porque a queria... mas não a preciso.
Se um dia ela resolver subir o vale pra me dar bom dia mais uma vez, talvez aí eu descubra se ela serve mesmo pra mim, e, se servir, descobrirei então pra quê.

14.5.10

Sobre o Muro na Sacada

A sacada do segundo andar do sobrado tinha duas portas e um muro que a separava em duas.
Mas lá da rua eu não sabia de sua existência, e nem das duas portas, e só quando peguei meu balão pra ver do alto eu entendi tudo: entendi porque que toda vez que marcava meu encontro com o rapazinho-da-rua-de-baixo chegava lá em cima e ele necas.
Era por isso também que, no dia seguinte, ele se queixava choroso da minha "brincadeira de mal gosto".

Nuvens, Carcaças e Lagos.

Dorotéia saltou pras nuvens e lá de cima ela pode ter certeza de que aquela lá embaixo era só uma carcaça que levava o mesmo nome que ela - só o nome.
Dorotéia das nuvens pode ter certeza de que o lago verde de que tanto falava a Rainha existia de fato, mas ela o via como ele era: um belo par de olhos verde-acinzentados  (por vezes castanhos).
Dorotéia só olha o Lago Verde da Rainha... errando por entre multidões.
Ela pensa: mais uma carcaça.
Ela o acompanha desleixadamente, com os olhos entediados - já vira Lagos melhores.
Mas ela sabe que pra Rainha nem sequer existem outros "lagos", pelo menos não enquanto aquele há.
Dorotéia lá nas nuvens teve então certeza de que em algum lugar por aí, também nas nuvens, existiria alguém que também se viu carcaça e não se gostou; um alguém que saltou lá pra cima e que agora observa talvez um Lago Azul  qualquer - quem sabe dela?
Com esta possibilidade em mente, Dorotéia se sente encorajada a esperar, cheia de ânsia, o encontro fatídico com o Lago Negro com que sua carcaça sonha.
E, se quer saber, a diferença entre ela e a carcaça é que a carcaça só sonha enquanto ela resolveu subir o mundo todo pra poder procurar melhor lá de cima.

13.5.10

Lago Verde

Desse Lago Verde eu achei que tivesse algo a dizer.
Eu achei que devesse ter, simplesmente, já que, como só ele faz, me fez afundar tantas vezes que era só pra poder me emergir depois e eu sei disso.
Daí achei que devesse mesmo era garantir que nossa ligação ficasse registrada ao menos no papel já que eu olho pras minhas mãos e vejo ela se escoar por entre os dedos trêmulos. Ela se evapora. E aí o que me sobra da minha vida toda (dum segundo apenas) com meu Lago Verde?
É por isso que preciso expressar o "verde" do meu Lago Verde.
Preciso expressá-lo ao menos em palavras, já que as cores não bastariam.
Eu sei: o chamo "Lago Verde" porque me faltam adjetivos precisos.
Não é lago pois é mais profundo que um e mais pontual também; tem do mar as ondas e a circunferência fria dum poço de pedra.
E eu sei, bem sabido, que ele também não traz água! É de uma fluidez maciça, a densidade (e intensidade) do chumbo só que me escapa como ares rarefeitos cosmicos.
Mas o chamo "Lago", e pronto... e isso até que me satisfaz se for comparar com o que se segue: "Verde".
Que triste, é pra mim, ter que simplificar a tal ponto!
Primeiro de tudo porque fica a impressão de que o "Lago" é apenas verde e nada mais; ou, na melhor das hipóteses, que é sua característica mais relevante - e longe disso.
O meu Lago é de uma cor que os olhos de ninguém podem encontrar em nenhum outro lugar - e estou aqui pensando que talvez mesmo nele, só os meus a possam ver.
Talvez também seja tudo culpa do brilho!
Pois ele brilha tanto que acaba guardando muito de si por trás do reflexo do mundo todo...
Mas aí você poderia até pensar que ruim é ter que ver o mundo todo ao invés do interior do Lago Verde já que quando a gente olha pro Lago Verde quer ver o Lago Verde e não o mundo!
E nesse caso eu quero lhe esclarecer: quando a gente vê o mundo que reflete no brilho do Lago verde a gente vê o próprio Lago, que absorve a luz antes de vomitá-la e que, quando o faz, a obriga a levar consigo parte dos mistérios de seu leito profundo.
Eu sei: quando a gente vê o mundo todo que reflete no brilho do Lago Verde a gente vê um Mundo Todo, mas não esse... e sim aquele. O dele.
E aí quando eu olho a superfície calma do verde do Lago Verde eu não posso usar palavras desse mundo pra classificar o que não é desse mundo (posso querer apenas... e tentar.).
Eu digo que o Lago é Verde porque ao redor do lago vejo cores e minha boca precipitada as grita uma a uma: Vermelho, Preto, Branco.
Aí olho o centro e ela improvisa: ...Verde.
Mas me perdi!
Me vejo agora: estou aqui dando mil desculpas esfarrapadas! Estou te enrolando, caro leitor, porque eu mesma estou mais do que enrolada nisso tudo.
Porque eu sei o Lago Verde, mas não sei dizê-lo.
Eu só sei o que ele faz: me leva pro seu fundo num sussurro mudo e quando lá chego ele logo me expulsa antes que eu possa dizer que o conheço.
Daí quando eu chego na superfície eu sinto falta da sensação que sinto quando o canto calado (meio imaginado) me chama pra fazer parte da história que o fundo do Lago Verde narra aos seus.
[E, mesmo assim, sem poder dizer-me sua, eu ainda ouso por vezes dizê-lo meu.]

11.5.10

Imagens

Tive visões.
A vida inteira eu as tive.
Tive minhas proprias visões das vistas do mundo.
E os quadros que me foram apresentados... eu os mudei todos, ao meu bel prazer, com os meus olhos e com meu psicológico fechado em mim (e pra mim).
Vi minha mãe como bem quis e o mesmo o fiz com meu pai, irmãos e avós.
As tias e tios não ficaram de fora.
Primos, amigos, desconhecidos, famosos.
Árvores, cachorros, idéias e lugares.
As palavras!
Eu vi as palavras como quis ver.
Tive visões deturpadas de tudo, e eu deturpo tudo porque não posso não fazê-lo!
Nem você o pode.
O único modo de não deturpar o mundo é se o mundo já foi deturpado por outro... deturpado tão completamente, nos mínimos detalhes que não há escape pros nossos próprios palpites.
Essa é arte em que eu acredito.

10.5.10

Insisto, recuo, insisto, recuo. (x10)

Tendo a esperar o impossível de braços abertos debaixo do temporal por tempo demais.
Umas três semanas são o bastante pra que eu perceba que a chuva não vai parar e que pra ter teto eu tenho que mover as pernas.
Eu não as movo enquanto os pulmões não se rebelarem que é pra não voltar pr'aquele teto antigo que não fui eu que escolhi, que eu não posso sequer pintar de vermelho.
Mas eles se rebelam cedo ou tarde... E aí as pernas obedecem contrafeitas.

Fazem dois dias...
Uma vez mais arrastei meu sofá pra lama.
Estou só esperando qualquer sinal de trégua pra trazer também a televisão.
Até a terceira semana acho que terei trazido tudo e o teto vai ficar de novo por conta do elemento surpresa... tão surpresa que até hoje não disse sequer um "bu".

Majestade

Eu pensei:
Se eu fosse a Rainha do Mundo eu imporia que as quedas fossem lentas e os levantes fossem rápidos, já que é frustrante, depois de sermos pegos de surpresa por uma cacetada na cabeça e uma rasteira que nos põe abaixo num segundo, termos que perder a cor dos cabelos tentando ficar ao menos sobre os joelhos.

Mas tinha algo errado nisso daí: As quedas, se fossem lentas, fariam-nos sofrer por mais tempo; tempo este que não seria de forma alguma compensado pelos segundos de glória de quem se ergue vitorioso.
As palavras não deram conta!

Aí eu pensei em especificar: As quedas deveriam surgir aos poucos, em câmera lenta, e uma vez que o sujeito estivesse lá estatelado no chão o tempo deveria acelerar como um foguete e ZUM, já estaria de pé. Lá do alto o tempo então passaria bem lentamente para aproveitar cada nanosegundo de sorrisos.

Mas quem é que quer perder tempo caindo só para não correr o risco de morrer de susto?
Veja, o risco existe mas e onde é que ele não existe?
Haveriam aí infelizes, disso eu sei.

Deveria eu, se fosse Rainha, abolir as quedas?
Oras! Se não há queda não há levante!
E que graça tem o mundo de quem só pode olhar de cima pra baixo?
Decididamente ficam as quedas.

Se eu fosse Rainha do Mundo, afinal, acho é que eu daria meu cetro a qualquer um e iria embora pra qualquer lugar, desses em que a gente não precisa pensar nas quedas e nos levantes...só precisa vivê-los.

Azul e verde é para os fracos.

Entre a Lua e Marte vi caminhos.
Duas ou três passadas incertas e eu soube: quanto mais perto de Marte mais vermelho ficava o concreto cinzento lunar.
E cinza demais deprimiu.
Por isso comecei a correr ao vermelho mas, quanto mais perto cheguei, mais certa fiquei que vermelho demais me enfurecia.
Resolvi ficar no meio termo... onde aprendi a gritar falando baixo, onde meu amor encontrou freio mas não controle.

Minha melancolia cheia de satisfação vem daí.

Pé anti-a pé

Que eu posso fazer se estes pés aqui se recusam a pisar concreto quente? Que posso fazer se eles chiam, cheios de dores... se eles não aceitam o aperto dos sapatos?
Eu caminhei na estrada, por vezes corri, e nunca cheguei lá, ela nunca deu em nada - só em feridas.
Eu tentei andar nas águas mas daí virei pedra.
Meus pés  não gostam da água que só sabe evitar.
Eu tentei ser Ícaro e voei alto, mas sem asas: dei uma cambalhota e fingi que os poucos segundos de liberdade foram eternos.
Não bastou fingir com a mente... Os pés - de novo eles - só gostam da verdade e me foi impossível evitar sua reprovação.
Eu aí sentei e fiquei sentada.
Fechei os olhos e os caminhos tentadores, sumiram todos.
Confortável é certo que foi, mas só até meus pés se sentirem inúteis e quererem uma função.
Eu aprendi a ignorá-los... mas aí, de repente, pisquei ao contrário e ruas vieram até mim de todas as direções, até de dentro.
Eram de concreto sim, mas macio e frio.
[Não que de fato fossem...
É só que agora tenho calos.]

5.5.10

Queixume

As palavras, quando as escrevo, se mudam todas de forma, saem tortas. A mim são estranhas, forjadas... só um bando de letras escolhidas ao acaso, de última hora, pela garganta.

Essas palavras, que eu cuspo irresponsavelmente, são palavras de outros... já percebi!
Eu as pego emprestadas e faço um montinho e coloco meu nome.
São intrusas e eu as desgosto, mas, admito, fazem calar aquelas outras tantas, as reais (sem consoantes e sem vogais, só o sentido) que gritam aqui.
Pena que não as aniquilam, só as guardam para mais tarde, de madrugada, quando não houver mais papel.

4.5.10

E não há banquinho que resolva = (

Que estranho e esquisito que é quando a gente descobre os raios e trovoadas internas, de mil cores, e descobre que aqui às vezes, muitas vezes, a chuva não molha (só os cabelos, para fins cinematográficos) e descobre que a terra, do lado de dentro faz brotar fruta que não existe, e descobre que quando o sol sai nunca queima (só se a gente quiser) e descobre que tempo simplesmente não há.
Mas a palavra "tempo" existe tanto e muito, e não desgruda das idéias... E aí a gente, que evita tanto pensar nela, acaba sempre estatelado no chão quando ela entra de supetão numa forja qualquer.
O tempo é o galo das 05:00, e quanto mais alto a gente sonha mais alto ele canta no dia seguinte. A gente acorda e se lembra que, pelo menos no lugar onde os pés pisam firme, ele é mais lento quando a gente quer que ele corra, e que ele se escoa quando a gente resolve implorar por ele.
É bizarra e cretina, maldita, a sensação de quem pensa sem dó no mundo ao contrário que a gente pode criar, e pensa daí no mundo que nos cria, o mundo  "direito" (esse mundo besta que a gente vê com os olhos da cara), que é tão sem sal, tão passável...
Porque que graça poderia ter afinal o mundo que existe do jeito que ele quer, quer a gente queira quer não?
E queima, queima muito!, quando a gente pensa que quando a gente acabar ele continua.
Queima, de vaidosos que somos, saber da grandeza do que nos transcende porque é assim, só assim, que a gente descobre que essa pia a idade não concede alcance.

Efeito Placebo

Existe, não muito longe daqui, uma rua sem saída onde dormem aqueles que não puderam dormir em nenhum outro lugar.
Eles não são indigentes, têm muito dinheiro; não foram desprezados, eles têm o amor.
Tampouco são loucos, aqueles homens e mulheres, que de lunáticos só têm mesmo o hábito de admirar a Lua gorda.

Eles dormem lá porque é difícil dormir do lado de cá, no meio da estrada, onde no dia seguinte se acorda e não se sabe quantos passos são precisos para chegar ao fim da linha e poder então dormir com o peito tranquilo da vitória, o ronco satisfeito de quem cumpriu a rota.

Eu já aprendi que ficar pelo meio do caminho dói, mas que caminho que é caminho não tem fim, e que o muro daqueles que dormem lá é só um impecilhozinho pequeno e bobo para quem realmente quer chegar ao ponto final - mas que serve perfeitamente bem para quem só quer mesmo é pensar que chegou.

Azul?

Azul é a cor de Netuno - dizia eu a qualquer um que ia passando.
Esse qualquer um não ouviu, só passou.
Eu então parei uma senhora e repeti: Azul é a cor de Netuno!
A senhora arregalou os olhos e seguiu adiante.
Peguei o microfone e cantei que azul era a cor de Netuno e cantei bem alto e bem bem! Pena que meu público era só meu tapete (azul) e a parede.
Peguei meu celular e disquei qualquer número, pois só queria que alguém mais soubesse que Netuno é azul... mas aí chamaram a polícia!
A polícia foi até mim e me questionou, e a resposta, na ponta da língua, sempre foi uma só: Porque é azul... Netuno é todo azul!
Não pude nem completar com um "E é lindo", as algemas surgiram dos bolsos do policial e eu parti em disparada.
Me tornei uma foragida, uma foragida de tudo.

Cheguei a Netuno no terceiro dia...
...e ele era verde.

3.5.10

Escotoma

Um homem alto, calado, a quem eu olhava com desfoque para fingir que não olhava, sentava-se sozinho.
Eu, por minha vez, sentava-me com muitos mas, tenho certeza, mais sozinha do que ele jamais esteve.
Meus muitos, também sozinhos - cada um em sua perspectiva estritamente pessoal - , gritavam qualquer coisa uns aos outros ao que eu respondia com risinhos e acenos, mesmo sem fazer idéia do que era dito, apenas para servir de álibi ao meu disfarce óptico.

Não pude, após inúmeras tentativas, arrancar fato tão ordinário de meus pensamentos até entender o porquê de não poder: não pude porque era pesado demais para que eu o tirasse.
E por que pesado? Que peso tem o homem (quase) desconhecido?
O que me pesa não é o homem, ou a curiosidade que me provoca.
O que me pesa é meu modo de ter que ver o que não quero no primeiro plano e ter de ver o que quero no segundo, tão sem nitidez.
O que me pesa é que é assim também que eu vejo todo o resto, é assim também que eu vejo o mundo... é assim que eu vejo a mim.
E o que será - pois certamente há algo - que até hoje eu só soube focar em punctum caecum?

Se se morre, somente.

Não havia o que se saber, não havia o que se ver ou se ouvir, não havia  cheiros e gostos e o gelo, sutilmente, erradicava também o  quinto sentido.
Porque, de tão branca, a neve se fundiu ao céu de névoas e já não havia limite a que a percepção pudesse se agarrar; e, não obstante o chão tão, tão duro, de sonhador que era (coragem infinda) cruzou o fervente Centro da Terra de asas abertas, como libélula livre no verão.
O coração não mais precisou bater, conquanto agora planeta o fizesse por ele - no compasso da rotação.

2.5.10

Pensa Rápido

Reuniram-nos rapidamente.
Alinhados lado a lado, nós, pobres coitados, tremíamos tal qual vara verde, mas o homem à frente - que se esticava todo para compensar a solidão de ser um só diante de tantos - não parecia notar.
A única coisa que eu sei que ele notou foi o apito que soou vindo de sabe-se lá deus onde e anunciou o início da entrevista conjunta.
A voz -  grave para fazer coro ao porte ereto - soprepôs-se ao sinal:
Senhores! A avaliação baseia-se numa só questão (desesperados, pude ver meus colegas destampando as canetas, alguns tremiam):
De que precisa, você, para chegar ?
Eu ainda me perguntava que diabos "lá", quando as hidrográficas se lançaram sobre as folhas em branco como lobos famintos sobre a presa.
Pude espiar, de soslaio, meu colega à esquerda fazendo uma longa lista que incluia:
-Provisões para, no mínimo, três meses;
-Um carro (de preferência 4x4);
-Kit primeiros-socorros;
-Dicionários diversos;
-Cartão de crédito;
-...
Eu poderia ter copiado, já que não fazia idéia do que deveria responder, mas sempre fui do tipo que prefere saber o que diz para não dizer o contrário do que pensa - a vida assim seria toda errada!
Infelizmente, eu não pude ver sentido em nada daquela lista precipitada; menos sentido ainda pude ver na expressão de satisfação e triunfo no rosto de seu autor.

Já estava me desesperando quando um homem magro e alto no fim da fila levantou-se, foi até o coordenador e disse, polida e calmamente:
Senhor, preciso que me mostre o caminho e nada mais.

Empolgado com a coragem do colega, outro candidato levanta a voz:
Dê-me fé, e eu chegarei!

Eu, que não obstante temia pela vaga, pude sentir meus olhos marejarem com tanta poesia!
Não deu nem tempo de tentar bolar minha própria resposta, mais uma bela frase de efeito, quando se levanta mais um, bem próximo de onde eu estava e solta o grito febril:
Tenho tudo de que preciso, permita-me partir e eu vou agora mesmo!

Foi o nocaute de que nós, os tímidos com os traseiros colados aos bancos, não precisávamos.
Pensamos todos, inclusive o próprio coordenador, que alí estava o cara certo.
Mas isso foi só até anunciarem no megafone que haviam telefonado de Algum Lugar, e a mensagem era para todos nós:
Cheguei.