30.6.11

Sobre crença

ZUM! Uma rolha de champanhe voando longe do céu e a gente que olha daqui de baixo fica com a sensação de que ela nunca vai cair de volta - vai se perder no imenso escurecido, salpicado de brilhantes.
E vai ficar lá e um dia vai virar brilhante também.
E a gente aqui de baixo torce por ela, como a platéia que torce pro atleta chegar em primeiro porque essa é uma forma razoável de a gente chegar em primeiro junto, tendo em vista que nossas pernas não nasceram com o dom.
A gente faz alí um pacto, aos murmúrios.
A gente se promete que nunca, jamais, sob qualquer hipótese, vamos desacreditar que nossa rolha chegou lá.
A gente vai sempre ter essa certeza, simplesmente porque é preciso ter alguma certeza... por tudo o que há de mais sagrado, pelo menos uma!
A maioria das pessoas levanta a bandeira de Deus, porque é o que tá aí e porque existem quase tantas justificativas que dão credibilidade quanto existem justificativas que enterram tudo.
Quase tantas. Mas é o suficiente pra elas, e com essa certeza escolhida desde sempre elas conseguem manter a rota.
Mas de deus a gente já duvidou faz tempo e mesmo que um dia a gente volte a dar uma chance o estrago já foi feito; perdeu-se a inocência da criança, perdeu-se a pureza, perdeu-se tudo e o que fica é uma birra, uma tentativa persistente. E só. E não é o bastante, nunca vai ser e a gente sabe disso.
Não.
A gente precisava de outra coisa e hoje a gente escolheu a rolha irrefreável. A gente já decidiu: ela nunca vai parar.
A gente sabe que ela nunca vai parar como sabe que estamos aqui, a gente tem certeza disso a cada respiração.
Daí a gente fica alí no meio do escuro, entre risos meio bêbados, fazendo pedidos ao nosso pedacinho de cortiça endeusado e especial.

Algumas estrelas são estrelas cadentes, mas, por causa de tantas gargalhadas, a gente não estava com ouvidos abertos pra ouvir o 'ploft' se estatelar na terra a uns cem metros dalí.
Algumas estrelas são estrelas cadentes... mas estrelas cadentes ainda são estrelas, e é isso o que importa, acho.

28.6.11

Sobre Peter Pan e seus comparsas

Não importa pra quão longe você pedale, a verdade das verdades da vida é que o cordão umbilical se corta mas o umbigo permanece, como que uma placa inconveniente (mas de certo modo sábia) que está alí pra te lembrar de vez em quando que  "cara, saca só o tamanho dessa roda gigante! vamos de novo?"
E você vai.

24.6.11

Sobre teus muitos "sobres"

Há essas lembranças flutuantes algures nos teus pensamentos. Elas não te parecem muito reais, mas você revive como se fossem e tenta não se preocupar.
Há esses helicópteros, o som deles,  e há o vento que eles fazem.
Há então uma quietude no topo do prédio onde você se encontra.
E daí o prédio vira o fundo do mar, e você que olhava pra baixo agora olha pro alto.
Você tá sempre olhando pra baixo ou pra cima, você sempre quer escalar ou pular.
Você é desconsertante, desconsertado. Quebrado, mas funcional.

Há essa realidade se contrapondo à sua realidade do pijama e das cobertas precipitadas (por falta de melhor opção).

Tudo está absolutamente como deveria estar, bem ao modo de Babuc, mas teu vício pelo cinzento fala gritado numa hora dessas e tudo o que você precisa para fazer com que cale é procurar uma farpinha solta... uma só que seja.
E você sempre encontra, é inevitável! Elas estão todas lá, o tempo todo, esperando para serem encontradas.
Se você passa a mão de leve não sente, mas basta um pouco mais de pressão para que se revele uma das grandes.
Bem aquela... justo aquela!
Talvez seja sempre ela... mas você não quer pensar sobre ela hoje, você não quer sentí-la e quando decide isso tira as mãos do chão e leva aos cabelos.
Se ocupa coçando uma pereba inexistente e tenta voltar a pensar nos teus helicópteros e teu prédio e teu fundo do mar.

Tua cabeça é um circo nesse ponto da noite.
Pensamentos de todas as espécies te atingem por todas as direções - você não sabe mais quem é você.
Ora você é o andarilho na corda bamba - corajoso onde não deveria - e de repente, quer queira, quer não, se pega aos rugidos desesperados; a fera dominante, domada por uma coisinha chicoteante qualquer.

Qual o sentido disso, afinal de contas?
Qual o sentido da dualidade? Porque tua cabeça duela consigo mesma pra tomar uma decisão?
O erro do duelo de um só é que, não obstante a vitória certa, há também a facada certa no estômago como um bônus irrecusável - isso porque não é possível degolar-se a si... talvez fosse mais fácil assim!

Você se perde nos modos variados com que pode um algo aniquilar-se a si, com trejeitos medievais.
Você ri, pela primeira vez em vinte e quatro longas horas - horas que, agora que chegam ao final parecem ter passado até rápido demais.
Novamente é você na indecisão.
O tempo passa rápido ou o tempo se arrasta?
E o que é que é o tempo!?
Essa questão sempre te assustou como pouca coisa o fez.

E o tempo, o tempo é real não é?
E mesmo assim é mais louco que qualquer idéia, por mais insana que seja, que pudesse te ocorrer no mais desesperado dos teus dias.

O fato: a tua realidade é tão absurda, tão incoerente, tão inconsequente, depravada, deturpada, invertida, errada e zombeteira quanto o elefante dançarino sobre a bolinha de gude das tuas memórias alucinadas (ou alucinações recordadas, você ainda não decidiu).
A única diferença talvez seja que a tua realidade é crua.
Só isso.
O mesmo peixe, mas frio.

Há quem goste de sashimi.
Já você tem seus dias de "pode ser" e seus dias de "não aceito outra coisa" e seus dias de "nem pensar!".

Você tem seus dias de repulsa pelo cru e é nesses dias que, involuntariamente - como num sistema automático de defesa - teu sistema nervoso procura desesperadamente por uma lembrança inventada, marinada, delicadamente trabalhada no banho-maria nos teus 21 anos de existência. - helicópteros, prédios, fundos do mar, balões, barcos, cerejeiras, fogos de artifício e temporais acolhedores.

E aí fica tudo bem... só é importante - você ressalta para si mesmo - tentar evitar que lhe ocorra a verdade dolorida de que peixe é peixe: seja vivo, morto, do avesso, pendurado num pé de goiaba, estraçalhado, digerido (e devidamente excretado) e o que mais tua criatividade for capaz de fazer com ele. Peixe é peixe.

20.6.11

Boa noite, você está atrasado.

Eu nunca tive tanta certeza sobre algo na minha vida quanto tenho certeza agora de que o relógio parou.
Eu o encaro há tanto tempo que já nem sei exatamente quanto tempo isso seria (e acho que essa é a intenção) e os malditos ponteiros se mantém.
Eu não sei quanto foi que você pagou para que eles assim o fizessem, mas esperava que você jogasse um jogo mais honesto - usasse as pernas, uma mensagem de celular! - do que este de contratar comparsas enrubizados para encobrir a duração absurda do teu descaso.

19.6.11

Sobre caça-níqueis sentimentais e (ausência de) amor próprio

Difícil não é perder quando se tinha fé cega na vitória, isso se chama "primeira decepção" e, cedo ou tarde, todo mundo supera.
Difícil, eu te garanto, é perder quando já se sabia que seria assim (fica óbvio após as primeiras quinhentas vezes, você vai ver).
É difícil já se saber...
É difícil, muito difícil,  porque daí fica um pouco complicado sair por aí e tentar se aventurar de novo pelo mundo, tendo que desviar o olhar de todo e cada pedaço de superfície lisa o bastante para refletir.

Sobre gritos ignorados

Caminhava pela quinta avenida com uma placa larga pendurada no pescoço que exibia pela fronte e pelas costas, em letras garrafais, a mensagem: "Chega de desvios, chega de sutilezas."
Pena é que ninguém sabia ler na língua em que estava escrita, pena é que contraditoriamente à própria filosofia preferia não ir direto ao ponto e colocar tudo moidinho em bom português.
Daí interrompia por vezes o vai-e-vem entre os carros engasgados do tráfego pesado, se sentava no meio fio e amaldiçoava o transeunte despreparado, sem dicionário no bolso e, pior ainda!, sem a menor demonstração  de curiosidade...
Uma segunda olhada ,que fosse, - engole seco - já seria alguma coisa.

13.6.11

Sobre vasos e tipos de queda

Os vasos sempre se quebram, a questão é que alguns vão direto ao chão pela porrada e ficam lá aos cacos... doído, mas de uma só vez. Como tirar o esparadrapo.

Outros vasos, entretanto, vão se craquelando com os anos de exposição a toda sorte de pancadinhas, e uns reparos superficiais simplesmente não podem impedir as rachaduras de se expandirem subcutaneamente.
Esse vaso é o tipo de vaso que ainda vai ficar muito tempo por aí, aos despedaços, perdendo um caco a cada ano e a verdade maior de todas é que se ele pudesse falar ele diria mais ou menos isso:
Uma raquetada bem dada e eu já era de uma vez, que tal?

10.6.11

Sobre partidas

Existe essa sensação de abandono quando a gente se retira do pórtico de entrada por alguns minutos e quando retorna a chuva já foi embora.
Não é conforto, é abandono.
É como se fosse uma vingança: você se foi e não havia mais razão pra ela ficar.
Daí dá uma vontade louca de sair correndo porta a fora gritando que "Querida! Foi só brincadeirinha!".
Você não sabe pra onde ela foi, você não sabe se ela realmente foi pra algum lugar ou se só ficou invisível aos seus olhos.
O que você sabe é que se você não tivesse ido ela também não teria.
E antes arrependimento matasse mesmo!

Mas você sabe (e sabe que sabe) que ela vai voltar.
Bem aí vem a pior parte: por outro lado, você não sabe quando.
[E se existe uma pergunta pior que "se?" é "quando!?".
O se é desconsolado, enquanto que o quando é o desespero da ansiedade.]
Pode ser que ela volte agora mesmo - quem sabe isso que te atingiu gelado na testa ao invés de ser o pingo final não seja um pingo inicial? -, pode ser amanhã, pode ser semana que vem.
Ou pode ser que tuas terras atravessem uma desgraçada de uma seca.
Pode ser...

E se for? Daí você pensa na ida da chuva como quem pensa, quando perante a morte do amado, que suas últimas palavras foram sobre o cheiro estranho do sanduíche, sobre o preço da gasolina.
Dói a você não ter saído pra se refestelar no epílogo.
E é só pensar em não ter aproveitado que bate uma sede incurável!
Bate um calor, bate uma ânsia, bate uma desidratação.
Você chega a se agachar no meio fio pra lamber o restinho de poça que sobrou no chão.
Mas aí bate saudade.
E saudade é sentimento - ao contrário do que se pensa - mais pra frio que pra quente.
É sentimento que faz esvaziar tudo, todos os impulsos e fica só um nó tão transparente e tão impalpável que você só sabe que ele tá lá mesmo porque é apertado demais.

Quando a saudade termina de bater o que vem depois é um certo desleixo.
Você pensa nesse momento é que, por pior que seja, não poderia ser de outra forma.
E se pudesse ser de outra forma, você não iria querer. É isso mesmo, você não iria querer.
Porque se não te faltasse a presença da chuva, te faltaria a presença da ausência dela.
No fim das contas, você pensa, dá no mesmo!
E no fim das contas você sempre pode pegar um trem e ir procurar ela mais lá pra perto do mar... em tese.

7.6.11

Sobre covardoragens

Trotava com a espada na cintura, corajoso que só.
Punho cerrado, passo firme.
Quem via até pensava que cavaleiro mais bravo não existia por estas bandas, mas só porque ele ia indo pra lá, de costas pra cá e ninguém nunca viu o elmo caído aos olhos que funcionava melhor que qualquer escudo de ferro, que qualquer habilidade com adagas e arcos e flechas:  fazia a destruição e o caos serem reduzidos ao cheiro e só com o cheiro é muito mais fácil de enganar o coração e só com o cheiro é muito mais fácil de inventar uma cor melhor pro caminho, que cinza é chato demais.

4.6.11

Sobre perspectiva

O que andei descobrindo é que não existe problema se prevalece felicidade e que, por outro lado, não existe solução se prevalece melancolia.
Não acho que sejamos cegos, só acho que talvez exista um certo daltonismo oportunista ou algo do tipo.

3.6.11

Sobre altos e baixos

Daí do nada sou eu no chão e não tem nada mesmo por alí pra se fazer exceto constatar (novamente) a cor do piso.
Às vezes eu olho do alto e grito: "castanho claro!", mas não tarda e me pregam o pescoço no sinteco, assim bem colado mesmo, bem até doer.

É esquisito... tudo muda muito tão de perto, muito mesmo!, e eu não sei mais se o real é o castanho claro de ontem ou o cinza empoeirado de hoje - tom que meu nariz alérgico teima em enfatizar aos espirros.
O que posso dizer?
A verdade é que é uma grande pena a cãibra que dá de ficar agachada no meio do caminho... às vezes penso -sei-  que seria muito mais fácil viver só com a realidade do meio termo mesmo.

Sobre o óbvio surpreendente

Se o tigre mantém as garras aparadas a gente esquece que ele é tigre, mas a gente não deveria fazer isso porque  unha cresce e porque no fim das contas sempre tem ainda os dentes.
Eu é que sei.

Sobre incoerencias tuas

Espera que o mundo gire depressa, que é pra esquecer tudo... mas daí se o mundo disser "te vira!", fica tonto nos primeiros noventa graus.

2.6.11

Sobre pistas e sinais

Ando por aí procurando as etiquetas com o meu nome em tudo.
Antes de dar um passo à frente, por exemplo, eu olho pra ver se no azulejo não tem no cantinho uma plaquinha que me permita pisar nele, que me indique que faz sentido pisar.
Que é pra ser.
Talvez por isso, talvez por isso e mais algumas coisas -me atrevo a acrescentar - é que eu ainda não sai daquele meio metro quadrado em que me deixaram depois que eu aprendi a andar.

1.6.11

Sobre natureza

E se tem uma coisa que eu já percebi é que eu, você e eles (e os outros também, por que não!?) somos como uns tontos andarilhos se questionando se estamos realmente indo pra frente e puxa, será que a gente nunca vai entender que todo lado é a frente se a gente estiver olhando para ele?
Somos como uns tontos andarilhos, com os bolsos furados ainda por cima.
A gente vai por aí colhendo as bugigangas que aparecem sabe-se lá deus ou o diabo da onde bem no meio do nosso caminho e a gente pega elas e a gente põe nos bolsos e nem repara quando elas se espatifam no chão logo em seguida.
A gente continua indo e assoviando e achando que quando chegarmos (e onde é que é "lá" mesmo hein?) vamos ter um quinquilhão de coisas para esparramar sobre a mesa do jantar para tentar justificar para nós mesmos tamanho cansaço nas pernas, tamanha falta de ar. Pra dar uma razão pra todo o esforço.
Porque andar cansa.
E sabe, cansa muito mais ainda quando a gente acha que tá carregando se não o mundo todo, pelo menos boa parte dele.
Mas é tudo tão psicológico... e isso é que é o pior.
A gente pensa que tem que arrastar nossos pesos por aí, e quem olha de longe acha que é uma enorme piada a gente encurvado assim por motivo nenhum.
Porque se a gente olhasse direito a gente perceberia que a única coisa que a gente carrega com a gente é a lembrança e a lembrança pesa no peito e não nas costas, e não nas mãos.
A gente carrega lá bem fundo, talvez, a lembrança daquele algo que a gente coletou uns quilômetros atrás e nem sabe que perdeu... mas isso se é que a gente olhou bem o bastante para se lembrar como é que era.
Porque a maioria das coisas é assim: a gente pega porque tá alí, porque se não pegar outro pega.
E, afinal, o outro já tem coisas demais não é mesmo?
Daí a gente sai por aí que nem uns loucos tentando pegar tudo o que dá como se o alarme fosse apitar a qualquer momento anunciando o ganhador da grande gincana que deus criou pra nós.
E a gente pega tanta coisa, tanta areia, que não sobra tempo pra garimpar e o ouro fica sambando, completamente irreconhecível, no meio do farelo do lixo.
E o lixo e o ouro vão escoando pelas nossas mãos, pelos nossos bolsos, estrada à fora.
E a gente não vê e a gente só vê quando dá vontade de chorar e a gente mete a mão na mochila pra achar o lencinho gente boa e ele não está mais lá.
E como é que a gente vai chorar sem ele?
Quando a gente quer chorar e ver que ele não tá mais lá a gente pára e a gente olha direito e é bem aí que a gente percebe o nosso tudo que virou nada e a gente deixou que virasse.
É aí que a gente percebe que a gente só tem (e olhe lá!) a roupa do corpo e uma certa rouquidão - que até a voz a gente já perdeu com o susto.
É aí que a gente percebe os tontos que somos, é aí que a gente senta numa pedra e é aí que a gente desiste de tudo.
É aí que a gente resolve que quer ser mais esperto sábio e se livrar então de tudo de uma vez:
A gente se despe por alí mesmo, olha pro alto e diz que "cabou-se".
Mas a gente é o que a gente é e a gente não pode mudar nada disso.
Tontos andarilhos nascemos, tontos andarilhos morreremos.
Dalí a duas horas é a gente pensando como é que vai fazer pra pedra caber na pochete.

Sobre remendos e outros métodos pouco eficazes

Sentada sob a sombra do cipreste eu observava o gado que devorava com insanidade tudo o que estivesse ao alcance.
Ele era tipo eu, pensei.
Ele era tipo eu... que ia, alí da sombra do meu cipreste mesmo, engolindo todas as idéias e tudo o que fosse possível engolir que era pra ver se o estomago alargava o suficiente para ocupar o espaço que costumava ocupar antigamente um coração.
Ninguém é completo.
Mesmo aos completos falta a incompletude.