25.11.10

Blá

A gente só se lembra que o papel existe quando alguma outra coisa que a gente pensava que existisse se revela uma bela de uma ilusão.
Aí a gente lembra do papel, e ele cai bem na nossa cabeça com umas boas 2 toneladas.
Também nesse momento se escoa mais uma porção de coisas que você, puxa vida!, tinha certeza de que fossem reais e aí enquanto elas vão te dando as costas e você fica sozinho, te sobra espaço também para a parede.
Para o abajur, a colcha, a jarra de suco, um lustre, uma televisão, um copo, um violão.
E aí de repente tem um mundo inteiro de coisas que estavam bem alí, na sua cara, e você nem viu por causa daquele muro de outras coisas que estavam na frente.
E que foi você mesmo quem ergueu.
Mas eu não acho que 'cair na real' seja bom de verdade, nem que seja melhor que, digamos, 'cair na irreal'.
O que eu acho é que a gente deve alternar e aí viver os dois, como bons gananciosos que somos.
(E a gente tem o dia, e a gente tem a noite... e a questão é decidir se a gente sonha com a lua ou com o sol)

18.11.10

'And all I lov'd, I loved alone'

Abria o portão com um pontapé dos bem grosseiros e aí galopava feroz pelas escadas carregando nas costas uns bons mil quilos de livros de matemática e da maledeta da química.
A mãe esperava na porta, mas o sol de meio dia e aquela ladeira toda pela qual teve que se arrastar foram as matérias primas para o colossal (e cotidiano) mal humor.
"Xô pra lá, mulher!"
E aí a mãe ia pro canto.
O almoço a essa hora quase que com certeza já estaria na mesa.
Mas não conseguia nem pensar naquele feijão borbulhante e a sobrecoxa de frango que pelava liberando fumaceira pela casa.
Nessa época do ano era calor pra burro!
Além do mais, não era muito de comer... engolir era um troço que dava muito trabalho.
Era do tipo que gostava mesmo era de respirar.

Mais três passos e abria com satisfação a porta do quarto - o quarto do irmão - e preparava a vitrola (do irmão).
O Lagarto, do Rei Escarlate, no volume máximo.
Se jogava, de mochila e de casaco (casaco no verão! era o estilo), na cama - a cama do irmão.
E era aí mais ou menos, vamos dizer, uns vinte minutos até acabar o lado A.
E mais uns cinco, pra deixar ecoando na alma e pras pernas se acostumarem com a idéia de ter que se mover para as mãos poderem virar o disco.
Com carinho.

O mundo era o saco de pancadas, e o carinho era para aquele momento.
Estava tudo muito claro e (achava) muito bem distribuído.
Que mais que vale a pena? Tudo de que gosta, gosta só.
A mãe não retribui.
Ela ama o amor de mãe, no próprio mundinho. Aí ela também, coitada, gosta só.
Não há mão dupla.
E era tudo assim, e isso enojava e desiludia e transfigurava qualquer sobra de empolgação em receio de trombar com parede.
Deixou de ser receio - era uma certeza.
Mas o Lagarto retribuia... retribuia e dava ainda mais!
Ou então foi tomado demais, gastado demais. E daí foi que simplesmente esgotou.

16.11.10

Pôr-do-Sol

Durante a noite sonhei que o Sol se punha no oeste.
Me deu uma baita angústia - esquisito como uma cãibra nas cordas vocais - quando ele se ergueu e fez os 90 graus bem ao meio dia.
Eu bem que pensei "Pra onde que tá indo esse pirado???".
"Tá tudo errado!" e "Não era pra ser assim!" foram umas das coisas mais delicadas que eu disse, enquanto balançava a caneca de café contra o céu.
Uma meia hora e eu aquietei, pelo menos o corpo.
Talvez não me fosse sair mais voz se eu tentasse e minha boca não estava a fim de testar, por isso fiquei muda.
Fiquei pensando...
Eu tinha mesmo eram umas boas cinco horas para pensar a respeito e ter certeza de que ele não iria voltar e fazer o que tinha que ser feito.
Eu achava que ele iria voltar, que eu tinha entendido tudo errado. Que meus olhos acordaram tortos...
Eu cheguei a chamar um médico.
Com meus olhos estava tudo bem, mas ele me passou um remédio para sonhar menos.
Ele me disse: "Em que sistema você está, afinal de contas? Esse sol sempre se pôs no Norte, companheiro..."
Aí eu meio que senti um alívio, mas era bem esquisito.
Quero dizer, eu disse para o médico e disse para o sol: tudo bem, mea culpa! Continuem por aí e façam o que deve ser feito.
O médico foi embora e o sol começou a se pôr - no Norte - e eu estava bem.
O que que eu tinha a ver com as coisas do Sol? Quem diabos pensava ser?
Expulsei a apreensão com um pontapé para fora da minha varanda.
Tudo normal.
Fiquei lá e vi os dez últimos segundos de norte manchado de laranja.
Só depois é que eu olhei para o oeste e vi o verdadeiro sol se por, tão longe que a gente não viu.
Ou então era só um cometa carregado das minhas esperanças de que não fosse só sonho o sonho que eu tive noite passada.

Sobre mim

Foi bem assim: eu estava sentada no jardim dos fundos da casa da vizinha que estava viajando, só porque estando ela fora eu tinha nas mãos o poder de fazer o que não podia ser feito. Um tipo de covardia pintada de coragem.
Eu estava lá, já com o macacão jeans com manchas do tipo clássicas por todos os lados e eu apertava uma minhoca entre os dedos só para ver o que acontecia.
Não tinha grama, não.
Nem árvores eu acho, a menos que a gente possa contar uns dois vasinhos de um pseudo-bonsai em cima do muro.
Meu All Star um dia foi branco, e minhas tranças um dia estiveram impecáveis. Mamãe sabe bem como fazê-las, e eu sei bem como destruí-las.
E, talvez, seja por isso que por lá em casa faz algum tempo que andam me chamando de tudo quanto é coisa. Nos dias mais carinhosos, papai me chama de "meu monstrinho".
- Hum... monstrinho! -   e enfiei a mão na terra tentando pegar o último anelídeo que restava na vala, e eu poderia jurar!, tremendo feito vara verde, depois do meu minhococídio brutal.
Fugiu!
Eu levantei meu traseiro enlameado do chão e fiquei de gatinho escavando como um trator, sem qualquer sentimento no peito ou qualquer pensamento fluindo pela mente. Bem como um trator mesmo, dos grandes e amarelos...
Dois segundos e a coisinha já estava pulsando na minha mão! Aí eu esganei a desgraçada e depois ri toda a vida, deitada vendo o sol descendo por trás da montanha escurecida.
Ai eu peguei a terra e apertei também, com o triplo da força...
E que nada! Nada aconteceu, eu só perdi... ela escoou, e eu fiquei só com as mãos inchadas e uma droga de sensação ruim.
É que nada do que eu fizesse a ela provaria que eu estive ali. Quero dizer, eu poderia modelar a vontade! E deus sabe quantos mil bonecos de barro eu já ergui.
Mas eles são sempre barro, sempre terra e eu nunca sei...
Digo, uma minhoca morta apodrece e aí não é mais minhoca.
Mas e meus bonecos de argila!?
Bate um vento e eles são terra de novo. Aliás, ele vai sempre ser "um boneco de argila".
Por isso é que eu acho que é uma mentira, brincar disso, é por isso é que eu não brinco mais.

6.11.10

Matutar matutino

É que tem vezes que você abre os olhos e demora pelo menos 10 minutos até conseguir perceber que a realidade tranquila, mas muda, é a realidade, e que as loucuras e os balões mega coloridos e (até mesmo) os vilões trajando capas brilhantes são o sonho. 
Mas antes disso você fica por vários segundos tendo a exata certeza do oposto.
E aí você acha que é só gritar e acordar de novo girando no carrossel com os coelhos voando a duzentos quilômetros por hora bem acima da sua cabeça.

2.11.10

Sobre festa infantil

De repente você se pega parado, pendurado no teto.
Você é um balão.
E você se pega lá, naquela festa roxo e branca; e você se pega lá, frouxo no meio do que parecem ser centenas de balões. Frouxos.
Você está cheio de absolutamente nada.
E está cheio, completamente cheio (você não aguenta mais), do absoluto nada.
E aí você pensa nos momentos em que achou que fosse um daqueles cheios de balas e toda sorte de magníficos artigos multi-coloridos.
Cheio de farinha também, é claro... mas faz parte.
Até a farinha!
Legal paca...
Mas de repente você olha e tchans... nada.
Só a festa, dessas que duram metade da noite e no dia seguinte um par ou dois de gentes volta pra "dar cabo" da decoração.
Aí os balões estouram.
Você estoura.
E não tem bala, não tem cor, não tem farinha.
Só você e o resto, a horda de borracha e corante, disputando pra ver que explode mais alto.