28.8.12

Não sirvo nem pra peso de porta.

27.8.12

Diário de Calçada e Desejo

Passo pelos mesmos pés de manacá todos os dias.
Penso querer plantá-los dentro do meu pulmão.
Imagina que bonito seria se me escapassem pelos furos da cara e me escondessem debaixo do seu perfume?
Passo por um (suponho) casal de rolinhas assustadas logo depois.
Penso querer amarrar meus braços à elas.
Mas não voaríamos nem elas e nem eu e nem ninguém... e elas é que estariam amarradas a mim.

Ora, pessoas corajosas!
Me ensinem um pouco disso...
De pendurar a cabeça num farol, acima de milhares de comboios e gentes e coisas - e ser forte.
Me ensinem como é que faz pra preferir o holofote a um buraco.
Como é que faz para desenxergar todos os poros feios da própria cara?

Cada tico-tico na pitangueira é uma perfeição. 
A nuvem que se enrola por cima da montanha e brinca de mordiscar o topo das árvores o faz com maestria.
Uma formiga carregando um naco de folha nas costas sabe exatamente para onde é que está indo.
Os carros na rua, o vento: todos sabem.
Eu sei?
Não, eu não.
Daí, que direito tenho eu de ter olhos pra olhar a pitangueira perfeita dos tico-ticos perfeitos?
Que que me deu para achar que posso?
Meus olhos desvirtuados e inseguros e tristes deveriam ser banidos do mundo.
Quero desfazer meus passos, remover minhas digitais, desdizer minhas palavras todas...
Tudo o que faço, existindo, é macular o cenário perfeito, a harmonia de tudo o que nasceu no mundo e é do mundo.
Todas as coisas são reais porque querem ser, tem que ser, e sequer pensam nisso e por isso é tudo fácil e é tudo fluente.
Por isso as coisas reais conseguem se pendurar nos postes, nos out-doors e por isso têm alegria - porque não se percebem... 
Ou então se percebem tanto que entendem e aceitam que é parte elementar do sistema fingir que não.
Ora, vocês, meus mestres! 
Me ensinem tudo então...
Me ensinem, porque eu por conta própria só sei desaprender.

26.8.12

Diário de Calçada e Panorama

Uma grande decepção quando a gente sobe até a plataforma estratosférica e olha pro chão.
A gente tá ali, de coleirinha nas coisas que a gente odeia, com uma rabiola de umas quinhentas latinhas presas no nosso corpo e que a gente vai arrastando e tentando se livrar e que quando mais a gente foge delas mais barulho elas fazem.
A gente tá ali, de frente pro grande show mas sem saber que é tudo encenação.
(De cima a gente vê o que tem atrás do cenário.)
A gente é um coitado cachorro acoleirado numa estaca (que pode muito bem ser uma pessoa) e sem saber.
E a gente vai correndo, correndo, correndo, em círculos infinitos... e a gente sempre acha que está saindo dali e que falta pouco.
Só de cima a gente vê a força centrípeta e a nossa ignorância.

Vi, de cima, uma festa que erguia no céu escuro uma Lua falsa de espelhos; uma festa de meninas perfeitas de batom propositalmente imperfeito. Vi uma festa que comemorava a estupidez - e o problema desse tema é que não era intencional.
Vi uma roda de pessoas em transe sendo o transe algo que já havia se impregnado às suas veias.
Questionei se era mesmo uma festa ou se era um dia como outro qualquer pra eles.

Daí vi a Lua real, caída no chão de uma Lagoa que secou. Atirei ali pedrinhas que nunca mais vão ricochetear e eu sei.
Descobri que não há nada que se fazer às margens de um Lago que agora é abismo, exceto manter uma distância de segurança.
O que um dia foi tipo um Lago Walden hoje é aquilo que a gente vê da nossa plataforma na estratosfera e não consegue mais sequer dar nome.

Um cachorro girando no próprio eixo, cheio de pendências atadas ao rabo: esse somos nós, os alienados que não sentem vontade alguma de uivar pra uma Lua falsa de espelhos. Esses somos nós.
Somos os imbecis fora da realidade, uivando pro reflexo da Lua real num Lago transbordante que a gente guarda na memória.

Um dia o cachorro morre e a coleira cai.

25.8.12


   

Mesmo a ausência dela é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela que não sei como a desejar.
-Alberto Caeiro
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        cada vez que a gente ama é como se a gente arrancasse um naco da alma e pendurasse suspenso no ar do nosso lado... 
        e soubesse que uma hora tem que deixar ir .




22.8.12

Diário de Calçada e Toca

Eu fiz um vulcão nascer do chão porque eu precisava de um lugar pra morar.
Da boca do meu vulcão nascia grama e terra e besouros dos mais banais.
Da boca do meu vulcão eu nasci de novo.
Ninguém pode chegar no meu vulcão, só eu e o vento.
E o vento sempre foi bom de prosa, melhor que qualquer projeto de gente.
Perguntei pra ele que que era isso que agora me paralisava e não me deixava mais andar, que que era isso que me vestia feito armadura de chumbo e prendia meus cílios uns nos outros pra eu não poder ver.
O vento disse que isso na terra dele se chama tristeza.
(Fiquei pensando onde é que fica a terra do vento. 
Sempre achei que ele fosse um deslocado tipo eu.)

Da boca do meu vulcão eu olho pra fora de mim e vejo o céu.
Mas o céu reto de azul é uma lixa pra alma, é enfiar a cara da alma direto numa lâmina de aço.
Um céu assim sem nuvem é um desperdício de atmosfera...
Um desperdício de sentimento climático, por assim dizer.
O céu pra ser bonito precisa estar sempre juntando lágrimas pelos cantos, fazendo montinhos de pré-chuva branca pelo passar do dia...
Que se não é assim ele me assusta tanto quanto as gentes de olhos secos que rastejam pelos metrôs.
(Nunca vi besouro de olho seco, nunca vi grama de olho seco...
Mas já vi sabiá chorar pela goela.)

Hoje eu quero que a boca do meu vulcão me engula pro estômago da terra.


20.8.12

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O olho é uma ratoeira.
O rabo das coisas fica preso nele.
Sente a força da mola se fechando sobre a presa...
Nada vence tantas garras ciliadas!
O olho é o único bicho que pode comer montanha.
O olho é o único bicho que pode comer o sol.
O olho é a língua e o coração é a barriga.
E a língua se esfrega na superfície das coisas... quase que obscenamente. - Deveria ser proibido!
Tem coisa que o olho come que daí nunca mais descome.
Não tem cu.
A barriga só vai crescendo, crescendo... coraçãobarriga.
Vai crescendo e ficando enjoada.
Tem gente que diz "ele(a) tem um enorme coração!"
Sim, sim. Quanto mais velhos ficamos, mais enorme fica nossa pança, cheia das merdas que a gente já teve que ver.
Queria eu que meu coração fosse ainda pequeno, que os rabos que meus olhos comeram fossem ainda só  aqueles rabinhozinhos que a gente coletava no parquinho e similares, e que não faziam volume nem peso... e que por isso a gente podia dormir de noite sem sentir a cama cedendo sob o peso de tanta rabada de ratazana que os ratoeiraolhos obrigam a gente a degustar vida afora.

18.8.12

Eu não dormia há umas cinquenta horas, cem, sei lá.
Me bateu um troço e eu desci o mundo pra ver se achava a solução dele na raiz.
Cheguei num pátio aberto onde urubus ciscavam em meio às bicicletas feito fossem pombos.
Me ocorreu isto: normalidade é questão que o olho é que tem que resolver.
Do lugar de onde eu vim, um céu sem estrelas era uma baita de uma surpresa;
No lugar pra onde eu vou, um céu com o cruzeiro do sul estampado no peito é que é.
O homem tem esse dom, de ficar hipnotizado quando que na hora de um susto
E esquecer que é que interessa.
(Fácil fácil de enganar.)
Descobri que o mundo não tem uma raiz e nem tem uma copa.
O mundo não é uma árvore, o mundo é um mundo...
Fiquei por ali vendo urubu ciscar até acostumar os olhos.

Considerações acerca do escuro multiplicado:

E se cada sombra parisse outra sombra atrás de si?

16.8.12

Diário de Calçada e Atmosfera

Não era fácil distinguir se era mar ou se era deserto
- e no entanto era o céu.
Nunca foi fácil distinguir nem isso nem aquilo nem aquele outro, nunca foi...
Mas despencou de ruim para pior.
Recolho hipotéticas maçãs hipoteticamente despencadas dos meus hipotéticos jardins.
Dentro, fora, o avesso: que é que há?
Me meteram uma facada em cada pedaço de olho que eu tinha e o meu coração assumiu funções de ver.
Vê pra dentro (de mim e das coisas).
(Nunca tinha visto nuvem que tem onda, nem nunca tinha visto onda se esfarelar em grão, nem nunca tinha visto grão cair do céu feito fosse chuva que nem hoje.)
Eu iria parar a minha vida inteira e dar ela inteira pro abismo por esse momento, se isso me fizesse saber o que esse momento realmente é.
(Nunca vi uma nuvem correr tão bonito.)

15.8.12

Diário de Fim de Chuva

... dedilhando as gotas sobrada na janela feito que fossem braile.
e daí sentindo as palavras se desmancharem ao toque.
- naturalmente numa manhã dessas a gente se ouve falar
e daí descobre que não tem nada a dizer.

14.8.12

La seule chose insupportable...

... c'est que rien n'est supportable.
-Rimbaud


A única coisa insuportável é que nada é insuportável.
As paisagens são irrelevantes, já foram vistas e ditas.
Nada é novo.
Tudo o que eu queria dizer alguém já disse...
Só tenho tido possibilidades para a concordância, há tempos.
Tipo alguém que não consegue enxergar o que sente,
Tipo alguém que, quando finalmente diagnosticado,
Balança a cabeça molemente para dizer que sim.
Sim, é isso... é tudo isso.
Seja lá o que tudo isso for.
"É preciso delirar o mundo...", dizem.
Já não me caibo mais em mim -
Mas tenho de caber,
Porque afinal não sou nada além disto.
Queria que fosse eu quem dissesse o que há para ser dito.
Dizer palavras a que se há de concordar.
Queria vê-los, aos outros, balançando cabeças tipo eu.
Paralisados.
Sinto que todos sofrem, ainda que desapercebidamente,
Dessa paralisia.
Sinto não! Presumo...
Só podem sofrer, só podem...
E como não poderiam?
Eu delirei o mundo de madrugada 
E sonhei vi.

A paralisia é o precedente...

Agora sofro de um despertar chocado:
Uma cãibra.
[O sol é grande demais, mas cabe na minha janela.
E o coração que é pequeno não me cabe nem no peito.]
Tudo está aí para ser aprendido, devorado. - vejo.
Quero.
Mas nossas bocas...
Nossas bocas têm de mastigar..
Arre! Há de haver mastigação,
Antes de o corpo ter acesso ao que interessa.
Daí que aprendemos só restos.
Engolimos lixo...
Porcos se empanturrando de meias-verdades.
Jamais nos nutriremos do aprendizado intacto
E impoluto.
"É preciso delirar o mundo..."
Mais esperançoso seria se fosse eu quem fosse
Só um delírio do mundo.

9.8.12

Diário de Calçada e Constatação

O regresso.
Em dado momento olhou para as pernas para descobrir a própria curupiragem.
E o coração?
Coração perdeu a forma.
Já foi de tudo: de bocarra de jacaré até franjinha de criança.
Coração gastou.
Se alterna entre ser uma poça e uma bomba.
Talvez a poça seja o resultado da explosão da tal da bomba... vai saber?
Parece tão pouco... para uma explosão.
Mas tudo tem parecido tão pouco de todo jeito.
A vida é um balanço, desses que mentem pra gente a respeito da proximidade do céu; desses que atiram a gente no chão mas nunca o suficiente pra gente quebrar.
E ai!, se a gente pudesse quebrar inteiro logo de uma vez...

Um bem-te-vi pousou na janela e no que a gente parou pra ver o café esfriou, e quando a gente se virou para requentar o café o bem-te-vi foi embora.

8.8.12

Diário de calçada e companhias desprezíveis


O amplificador no máximo e tudo o que ele amplifica é o silêncio.
É essa mania que as coisas têm de salientar ausências...
Catalizar fins.
Ficou aquela sensação ilusória do cara que passou umas boas cinco horas na escada rolante e aí quando foi subir a normal não soube como agir.
Todas as sensações, para o bem e para o mal, são desconsertantes nesse momento.
As mãos não sabem se se apoiam no joelho, se seguram a cintura ou se pendem frouxas no canto do corpo.
Tudo parece idiota.
Um pouco de vinho e a cabeça não quer ficar de pé no pescoço, nada quer ficar de pé, nenhuma perspectiva, nenhuma boa vontade, nenhum entusiasmo.
Me avisam de um rato morto no chão, mas eu não sou mais o tipo de pessoa que sente nojo das coisas nojentas.
Ao contrário: sinto nojo das coisas que não são nojentas mas que me assustam mesmo assim.
Nunca sei o que esperar de um passarinho vivo que dá bicadas e a própria vida dele transcende o meu entendimento. (Ele me faz lembrar de mim.)
Mas o rato não. O rato é algo que eu posso entender.
Olho para o rato que deixou de ser criatura para ser só uma coisa.
As coisas são um conforto e um descanso.
É isso... preciso de um descanso... um descanso do que é complicado demais.
Me sento na calçada do lado do ratocoiso, segurando minha taça pela metade, esperando ter alguma razão para fazer um brinde com o vento.
A calçada sempre foi minha casa, de um jeito que não é casa de mais ninguém.
Fico de mãos dadas com um cachorro, com uma pedra e com o próprio meio fio.
[Um insight: um brinde aos animais, que têm os dedos das patas tão colados e incapazes de dar mãos quanto os dedos das minhas.]

Vitrine

Lá vai o homem pela calçada de pedrinhas bem ladrilhadas rodando uma bolsinha e gritando "Sou foda, sou foda!"
Se essa rua fosse minha, os homens e suas bolsinhas e seus crachás e seus manifestos de auto-politicagem seriam extintos com uma bomba.
Iriamos explodir nós todos, eu também.
O homem não merece chão de diamante mas acha que sim, porque quando o sol bate no diamante o diamante faz o homem reluzir e aí o homem se espalha na calçada tentando reluzir mais que os outros pra convencer os outros que ele é mais bem facetado, que é mais valioso e que por isso deve ser comprado mais rápido e com mais ganancia.
O homem passa a vida tentando se vender a esses outros e ao mesmo tempo desprezando esses tais desses outros que é pra levantar o próprio preço no mercado.
O homem é um puto.

3.8.12

Diário de atraso e ressaca

Fico pensando na noite anterior.
Um jardim de mato alto e largado, na medida certa; a lua tão escandalosa que certamente era uma mentira (só podia ser uma mentira!); uma cadeira de ferro quebrada e o cheiro de fogueira me subindo pelas pernas.
Tudo foi embora (como tudo), a noite passou e varreu a lua, a cadeira ficou onde ficou e eu não estou mais lá e o mato deve ter crescido mais desde então e ter passado da medida.
Mas o cheiro da fogueira ficou no meu cabelo, feito uma memória que é carrasco.
Feito um beliscão de realidade.
Me sinto fedorenta, de corpo e espírito.
Enquanto meus pés se enfincavam nas cinzas eu pensava que eu era tipo elas: uma coisa que sobreviveu ao fogo mas que não resiste à menor das brisas.
Ou pior: resiste.
Mas se espalha, se perde, se fragmenta.
E o cheiro da sobrevivência fragmentada agora está permanentemente em mim, derramem sobre minha cabeça quantos rios forem necessários.
Ainda há a memória...
Uma cadeira arrebentada e as ervas-daninhas e a lua que com certeza era de mentira.
Se me tirarem meus braços eu ainda sou eu?
Se dai me tirarem minhas pernas eu ainda sou eu?
Se dai me tirarem meu estômago eu ainda sou eu?
Se tirarem meus olhos?
Se tirarem minha língua?
Se tirarem meu coração?
Quando é que uma coisa deixa de ser o que ela é?
Em quantas partes se pode mutilar um ente e poder chamá-lo ente ainda?
Eu quero saber porque eu quero des-ser.
Igual a lua... que precisou virar mentira pra eu olhar pra ela.

1.8.12

Considerações a respeito do monstro

O monstro no peito é praticamente só uma boca gigante, sempre gritando com ódio (e chorando) que não está satisfeito.
Mas o monstro só sabe dizer essa palavra: insatisfeito.
O vocabulário do monstro acabou aí e o monstro é surdo, além do mais... não sabe ouvir a gente perguntar o que é que tanto falta pra ele.
A gente chora junto, porque a gente têm a pele fina e porque tudo na gente faz osmose pelo mundo afora.
Se uma pedra é dura, a gente endurece também; se o sol é quente, a gente queima; se a Lua se esconde a gente se retrai.
E o monstro chora, é só isso que ele faz... por isso quando a gente olha pra ele e enxerga a fome que ele tanto sente a gente só chora, chora, chora também...
A gente senta no meio fio e não consegue nem pensar direito, feito uma mãe que não sabe curar o filho e que por isso se desespera.
Só que o filho em questão é um filho que não dá pra parir e nem parar.
Um coisa presa dentro que a gente não sabe como foi que foi nascer alí.
Uma coisa que deve ter nascido junto com a gente... uma coisa que é quase que a gente (mas só que não) feito fosse nosso cérebro, nosso coração, nosso estômago.
Feito fosse um tumor. Só que imaginário - e incurável.