28.2.11

Sobre loops sentimentais

É sempre assim.
Se recosta na janela entreaberta pro fundo do quintal e observa o mato crescente e o sol poente que sempre faz chorar como se fosse o último adeus.
E tem toda a razão em debulhar as lágrimas no pórtico encardido e enxugar o rosto com as mãos de unhas feias que de mocinha deveriam ser, já que, quando o travesseiro for o guia das trilhas dos sonhos, irá morrer completamente aquilo que é agora, e no poente seguinte serão lágrimas de outro alguém.
É sempre assim... e o trem azul nunca vem, porque o sol sempre embarca pelos dois e daí só resta para si inclinar-se sobre as trepadeiras da sacada e iniciar o "mal-me-quer", desses que, quer bem ou quer mal, não serão nunca o bastante para tirar a dúvida.

27.2.11

Como se não se importasse nem um pouco

Ia colocando grão sobre grão... e ia prestando atenção, bastante atenção,  no vento que se espichava de vez em quando em direções proibidas pelas mãos-escudos que se prostravam heroicamente em prol de um algo bem maior.
Umedecia as pontas dos dedos delicados com a melhor salmoura que uma pontinha de onda poderia proporcionar e então acariciava o topo da pequena duna que ia tomando forma.
Tão cedo assim as gaivotas piavam mais baixo que era para não acordar os peixes, para não assustar o sol nascente, ainda tão sonolento... (ou então, gostava de pensar, simplesmente porque assim é mais bonito e porque assim a mágica do canto é exclusiva só para os ouvidos mais afiados e merecedores).
Delineava as curvas da construção e sorria longamente para a visão do que viria a ser um castelo sob medida para seu Rei e para si e para tudo o que têm direito os dois juntos.
Mas ao meio dia o sol lhe queimava fortemente a pele clara e era por isso que fugia, com os pés nús sobre a areia quente, para se esconder na sombra das palmeiras e só retornar com o próximo susurro dos pássaros pesqueiros.
Foi num sábado entediado que se acocorou pertinho de sua obra-prima e não conseguiu ver castelo nenhum... e bem deve ter sido pelo tanto que lhe falaram que castelos são castelos e que areia é só areia e que areia pode até fingir que é castelo, mas nunca vai ser.
Foi aí, acho, que perdeu a visão, e foi aí que de Rainha passou a ser menina qualquer, de picolé de uva pingando nas mãos e óculos escuros...  dos mais escuros que pôde econtrar, que era para não dar chance de olhar o montinho desfeito e se lembrar onde foi que enterrou um ainda latejante coração.


26.2.11

Sobre aqueles que tentam nos medir

Eles chegam com suas balanças dizendo o peso do nosso nome, eles carregam nos bolsos do casaco  espessímetros afiados para determinar a profundidade das nossas almas.
Eles mantém suas fitas métricas ao alcance das mãos para que possam enfatizar qualquer mudança na distância entre nós e o nosso céu.
Eles tiram o nosso sangue enquanto a gente dorme para dizer nos jornais sobre as nossas origens, e eles se prostram sob nós apenas porque querem ver melhor se nossos pés criaram raízes (que nunca serão de bom tamanho, sempre serão longas demais ou curtas demais).
Eles sacam as tesouras e aparam as nossas garras porque o noticiário determinou que elas são longas demais.
Eles olham nossos bicos com desdém e medem o tamanho da mordida com as próprias cabeças... (e a gente, que nunca morde!?)
Eles colocam placas a milhas e milhas de distância e nos pedem para ler, para daí por fim concluir que nossos olhos não são dos bons. Eles querem penhorar as nossas córneas vagabundas por coisa melhor: o milho que eles nos darão de comer, após medir o tamanho da nossa fome e concluir que somos gananciosos demais.
Eles instalam aparelhos de segurança em cada esquina, para que os tais esperneiem alto ao menor indício de que estamos levando mais do que podemos carregar ( e a gente que tinha comprado um carrinho de mão já pensando nisso fica a ver navios).
Um dia eles vão olhar para trás e aí vão descobrir as tantas tesouras, e as tantas linhas, e os tantos compassos e as tais das fitas métricas correndo despercebidas ao seu encalço e preparando um dociê daqueles.

22.2.11

Sobre o que a gente não se lembra de olhar (e passa por cima)

Via você o lustre balançante, solitário no centro do teto e longe de tudo, que balançava devagar, cantando canções de ninar em idioma desconhecido.
Ia você adormecendo, coração batendo certo com os pulsares do objeto acorrentado, dependurado sem dó, de castigo.
Ia sonhando você, e nem suspeitando da luz do lustre que, projetada no tapete de palha, se debatia vigorosamente em contraponto ao gerador de mornos sentimentos e tão pouco convincente (e que pena que ninguém anda anda olhando para o chão).
Um outro que passasse, se de olhos atenciosos,  perceberia o funcionamento do espelho de face dupla:
Ao que ia o coração teu rallentando para acompanhar a entediada lanterna,  ia também, pelas penumbras, a alma tua que, con fuoco, atentava a cada virada brusca da coitada sombra que ia girando e girando desnorteada e perdida... feito fiapinho deixado pra depois (e esquecido).

21.2.11

Sobre esse, esse que é

Ia caminhando em pensamentos deitado na cama e falando sussurrado sobre a lua para quem quisesse ouvir, bem desse tipo de gente que sequer existe. Ninguém quer ouvir da lua... essa lua que é quase tudo o que existe no mundo (esse mundo que é só de dentro), menos satélite, menos pedra, menos crateras. Essa lua que é tudo, menos o que é.
Daí essa lua... essa lua que é só um conceito qualquer que serve de depósito de abstrações mal formuladas (às vezes até mesmo copiada, de uns coitados poetas)... essa lua completamente outra lua que não aquela que boia entre estrelas; essa lua uma hora morre e aí volta aquela que é só satélite e pedra e crateras.
Ia quase dormindo, sonhando (mas com um pé no gelo do chão) sobre montanhas para quem quisesse sonhar junto, bem esse tipo de gente que só sonha junto num sonho.
Ninguém quer sonhar junto sonho dos outros, só os próprios sonhos... dai sonhava ele sozinho mesmo sobre montanhas várias... dessas montanhas que tem algo especial no cume, dessas montanhas que valem a pena subir para ver o que é... dessas montanhas que são meio fáceis, meio difíceis, mas mais fáceis que difíceis... dessas em que decididamente não se precisa pensar no difícil.
Essas montanhas que não são nem um pouco parecidas com aquelas outras que a gente já tentou subir e arrebentou as pernas sem conseguir chegar no topo (dessas outras, que se chegasse lá não teria muita coisa além da oportunidade da descida).
E quando via já estava dormindo, o um com o coração na lua, as idéias nos pontos mais altos do mundo e um pezinho escorregado no chão.
Esse um, que é coisas várias, que é tudo... só não é só carne e ossos e deveres como era esperado que fosse.

Sobre pernas que puxam para baixo e mãos que se atém

Se você fica, pensa como seria o pulo.
Se você pula, pensa em quem tomou seu lugar.


A consciência de todas as outras possibilidades (e a descarada probabilidade do erro) é o que se costuma chamar de inferno.

17.2.11

Sobre as doninhas no meu quintal

Anunciaram as cornetas que era a hora do leste e do oeste se golpearem sem dó nem piedade bem no centro de tudo.
E aí as bandeirolas do nascente tentavam se agitar mais forte que as do poente e vice-versa.
De onde eu tava não dava pra saber qual exército desvairado era o mais cheio de gente ou, mais incerto ainda, mais cheio de razão.
Só sei que foi assim: pela esquerda trotavam os mais fracos e pela direita os mais fortes, e quem os dera fossem com força vencidas todas as batalhas.
A questão era o grito e, nesse quesito, todos gritavam alto demais pro meu gosto.
Virei meu rosto. 
Atrás algumas centenas erguiam protestos a favor do "cara ou coroa", e outros, numa boa, ouviam seus walkmans voltados para o sul, para o norte... qualquer lugar menos para alí.
E, como tola, eu ia dizendo no alto-falante que nesse reino quem manda sou eu, mas ninguém queria saber do meu reino ou de mim.
Gritaram demais e ficaram surdos, e agora eu estou só esperando ficarem também mudos para tirar os tampões encardidos do fundo das orelhas e poder prestar atenção de novo na música que cantava o rouxinol antes de o mundo ficar louco.

13.2.11

Sobre quem tem mãos furadas

Você não vê o barco indo pra longe?
Silencioso entre as águas turbulentas ele vai.
Você não vê o barco cortando as brumas, sem dar um pio sequer?
Calmamente se desloca o reinado flutuante.
Você achou que fosse parar, você soube que ele vinha e correu para a margem.
Próximo a areia ele veio, mas logo se foi, dobrando a esquina de uma onda qualquer.
Você achou que ele fosse ancorar, esperar as suas malas ficarem prontas.
As nuvens mudaram para os tons mais escuros e ele quis sol.
Você achou que fosse embarcar, mas esqueceu de colocar as pernas para dentro.
Silencioso entre as águas turbulentas se vai o barco, e o assento vago que você deixou vagar.

11.2.11

Sobre o mimo

Deitava na rede depois de  3 minutos na correnteza veloz e aí ficava como um pano de chão despencado, rasgado, se sentia sujo.
Achava que era o fim de tudo o que foi.
Pensava que era mentira, tudo o que queria que fosse.
Queria um novo começo, mas de forma alguma achava que seria um começo melhor do que aquilo que era... e agora já estava gasto. Não daria mais, pensava.
Daí era sempre assim e sempre precisava que se aglutinassem as nuvens, tão cinzas que se azulavam nas beiradas, e formassem um tremendo espiral até o teto do mundo.
E daí girava e girava o tornado turbulento, levando embora o tormento todo e aí ficava só o risinho de canto de boca que perguntava porque é que toda vez demorava tanto a lembrar que satisfação é um ponto de vista.

9.2.11

Sobre os filmes e as músicas (e, antes disso, as lendas)

É que simplesmente não há como ir dormir sem que se pergunte se os sonhos (os da meia noite e os do meio dia) seriam tão precipitados assim nas alturas, lá longe, entre cometas, se vivesse num mundo seco de fantasia.

7.2.11

Sobre os insatisfeitos

A gente hoje descobriu que a gente se cansou daqui.
Mas a dois mil quilômetros de onde estamos existe algo realmente importante.
A gente de cá simplesmente não faz idéia do que seja.
Mas é importante.
A gente vai caminhando até lá, a gente arruma uns calos, umas sarnas pra se coçar, a gente rala os joelhos quando cai num buraco esfomeado.
A gente chega lá e contempla nosso algo, nosso pedregulho que cresceu demais, nossa garrafa com um restinho de vinho largada no chão, nosso arbusto de forma curiosa.
A gente chega lá e contempla o pôr do sol.
Daí é a noite, e daí não se vê mais nada, e daí as mãos já se cansaram de apalpar e nossos narizes já conhecem todos os odores de cor.
Durante a madrugada a gente tem um insight e a gente se lembra que dalí a exatas duas milhas e meia existe algo deveras interessante.
Amanhece e a gente parte pra lá.


6.2.11

Assim dizia a placa da encruzilhada:

Todos os caminhos serão difíceis se as pernas forem fracas.

3.2.11

Sobre pensamentos

Um monte de coisas flutuantes na cabeça ao mesmo tempo, como que folhas e flores e pedrinhas e pedronas.
As pedronas afundantes na cabeça, iam indo-se todas para o fundo, arrastando umas coisinhas aqui e acolá.
Um monte de mims se iam junto e ai ficavam agarrados por um bom tempo. Daí de repente, com alguma sorte, batia um vento e se soltavam e vinham à tona e aí podia dar umas respiradas como as que respirava aquele mim quando estava no auge.
Depois era outro que vinha à tona tomar o lugar, ou então algum novo que caía do céu.
E era assim que era.

2.2.11

Sobre hoje

Ia choramingando pela rua, pela rua completamente vazia das quatro horas da manhã.
A luz que escapava da lua não era capaz de revelar a corda invisivel cheia de nós que pendia no pescoço.
Eram nós demais, era por isso que chorava baixinho, para o resto daquele "nós" não ouvir.
Nós temos.
Nós iremos.
Nós não podemos.
E não poder... não poder era mais que um algo infeliz! Era um algo incompreensível.
Porque ia carregando as possibilidades todas trancadas dentro de si, gritando pra sair; mas aí ia sendo carregada pelas leis, pelas regras, pelos deveres, gritando alto pra entrar.