30.5.12

Minha cabeça vai cair enquando leio Bukowski.
E e daí o Bukowski?
Minha cabeça vai cair enquanto ando na rua.
Minha cabeça vai cair enquanto desando na vida.
Minha cabeça despenca... ou melhor, quem dera despencasse mesmo!
Mas fica aí pendurada por um ilhote de pele, fazendo os ossos se chocarem a cada movimento.

Tem um troço errado com o meu crânio.
Osso dói?
Fui sendo surpreendida pelos anos, descobrindo sensibilidades em coisas que não têm nem pele nem coração para sentir coisa nenhuma; e os que tem pele e coração parecem não sentir minhas espetadas.

Mas meus pensamentos doem às vezes, e chegam até a gemer como que enfiassem machadadas pelos seus fundilhos.
Pensamento passou a ter fundilho quando passou a levar machadada e passou a levar machadada quando passou a sentir dor.
Passou a sentir dor por causa de quê?
Quando eu era criança pensamento era só pensamento e osso era duro como deveria ser.
E osso era pedra e pedra não sente.
Quando eu era criança carne sentia, pele sentia.
Hoje minha pele e minha carne perderam o tato, e o meu pulmão lateja e o meu coração sopra ar.
Tudo bagunçado ao ponto que me ponho num canto e desato a gargalhar.

Quando eu gargalho meu cérebro desmonta, meu crânio ameaça pular fora.
Tem um troço errado com a minha cabeça, parece que eu piso nela ao invés de pisar no chão.
Tenho pés de chumbo e cabeça de gelatina.
Pensamento sente dor?
O pé de chumbo ultrapassa a gelatina e acerta os lobos que protegem as ideias.
O pé de chumbo faz as memórias doerem...
Não quero andar, quero sentar e não deixar nada mais virar memória porque não quero que nada mais doa.
Não é o pensamento que sente dor... é o pensamento que a causa.

Sbeb

Então você tem uma taça de vinho, ela é o suficiente.
Você nunca foi forte pra isso, meio que pra compensar a força que você tem pro resto - ou que você arrogantemente acha que tem.
Meia hora e você se derrama.
Não existe outra opção que não seja o sorriso, ele vem à toda velocidade, tipo um tapa na cara.
Você defende uma teoria em que seus sorrisos são fachadas friamente calculadas, você fala isso alto pra quem quiser ouvir.
Mas é que hoje não há escapatória, a verdade é que eles são inevitáveis, são a natureza.
Talvez você quisesse evitar, você com certeza queria poder, mas agora você já derramou.
Tudo esparramado em cima do mundo, um monte de dentes e os lábios esticados felizes.
Yeah, yeah, yeah, little wing.
Que que há de ruim na vida exceto nossos pensamentos ruins?

Cê vai de 8 a 80 em uma noite.
Incontrolável como um caminhão desgovernado.
Emocionante como um caminhão desgovernado.
Ahhhhhhh huuuuuuuuuuuu!!!!!!
Que gostoso furar sinal e furar a vida (que tanto já nos furou).
Parei de achar que o perigo é apenas perigoso...
O perigo é muitas coisas, bem como tudo.
Milhares de coisas numa coisa só, sinto meus olhos explodindo feito fogos de artifício.
Como é que pode um olho olhar pra ele mesmo?
Não entendo o que os outros falam enquanto tento chegar a uma resposta pra essas perguntas idiotas e inacreditáveis.
"Desculpa, o que foi que você disse? Pode repetir?"


A capacidade de dar uma balão no perigo, é pra isso que a gente vive, acho.
É pra isso que eu vivo hoje... e é que só hoje existe - essa é a minha certeza das certezas.
Quero muito tudo, muito, muito...  não quero nada, tenho ódio.
Tudo é horrível e lindo como só tudo pode ser.
Odi et amo, meu querido tem razão.
Meios termos são para maricas, dou minha língua em bandeja pra esses.
Falou, garotada meia-boca.

Sou pessoa de totalidades e dane-se.
Gosto de explorar os sentimentos feito fossem cavernas subaquáticas (e tenho medo de cavernas subaquáticas).
Entro em êxtase enquanto me afogo.
Essa é a fórmula das sensações; esse é o néctar das sensações engarrafado.
Se é pra morrer, que seja com um disparo de cada lado da cabeça. Que tal isso?
E se é pra viver, que seja com um tapa bem dado na cara e um beijo em seguida (não necessariamente nessa ordem).

Meios termos são para os maricas.
Yeah yeah yeah little wing, e uma taça é o bastante pra mim.

27.5.12


Um velho de vinte e quatro anos uma vez sentou do meu lado e disse no meu ouvido que todo viciado é um sol poente.
E hoje eu recostei meu corpo na ribalta de pedra no fundo do jardim exatamente como quem pousa um copo vazio em cima da mesa suja.
Devia ser quatro ou cinco da tarde, pelo que pude ler no ângulo cadente do sol.
Uma árvore seca e uma árvore plena de vida se convergiam em curvas direto para a perpendicular entre a casa e eu, meio que emoldurando o pôr, ou meio que provando uma pra outra teses sobre a vida e morte.
(Eu acreditei nas duas.)

Gosto de como o sol, no inverno, muda o verde das montanhas para dourado.
Ele faz isso, eu sei, que é pra me mostrar que tudo é sempre mais de uma coisa ao mesmo tempo, que tudo tem mais de uma cor, e que até eu também... e que tudo bem assim.
Gosto de como o sol, no inverno, só é quente quando atinge os pulmões e que quando toca a pele é tipo um carinho morno e desanimado.
Gosto, porque isso me lembra da minha lagoa que é impassível feito pedra, mas só na primeira camada.


Penso isso tudo agora, e os pensamentos escapam da boca feito fossem pássaros desesperados.

Todo viciado é um sol poente, e não existe pôr se não há levante.
O viciado se levanta para se pôr depois, e ele já sabe disso e é bem disso que ele gosta mesmo, se quer saber.
Nunca vou deixar de levantar com aquele mesmo pensamento que eu levanto todos os dias e nunca vou deixar de me pôr engolindo ele à força até o tal do copo esvaziar de novo.
Todos os dias.
O mesmo pensamento, a mesma garganta.
O mesmo copo lavado à esfregões de língua no final do expediente.
Eu levanto e caio e o meu pensamento levanta e cai e as vezes meu copo caí e quebra.
E e daí?
Acho que, se a gente pudesse ver o sol por trás da curva da Terra, a gente também veria os cacos dele arrebentados no horizonte...
E a questão é que no dia seguinte ele está inteiro de novo, mesmo que seja só pra poder arrebentar outra vez doze horas depois.

Todo viciado é um sol poente:
E eu ali, vendo ele escorrer.... eu acho que eu virei mesmo ele de vez.
Porque eu já não sou mais eu - voilá o ponto clímax da embriagues sentimental! - e eu preciso ser alguma coisa, porque tudo é formado pelo universo já com a obrigação (cretina) de ser.


Se é pra ser, meu corpo então agora é uma nebulosa, o berço; eu decidi.
E sinto meu coração rotacionando devagar, bem no centro da poeira, providenciando os decaimentos beta, os sei-lá-que da fusão do hélio, o hidrogênio virando outra coisa... e depois a outra coisa virando outra coisa e tudo virando tudo, porque tudo é tudo.

Meu coração é a bola de fogo que se esconde atrás do mar.
Meu coração é o sol, e eu sou, toda, o sol...
E minha única tarefa é trazer o verde da montanha mais pra perto da cor esquisita que eu tenho aqui...
Essa cor... que nasce da minha corona-estelar e que se dissolve no tempo, até o tempo deixar de existir.




24.5.12

Verbo conduzir, sujeito indeterminado



"Honey, what you're seeing there aren't stars. 
It's your nervous system."
(Biutiful, 2010)

Um lufada de ventania pela esquerda. Como fosse um soco direto na têmpora.
Fiquei pensando na vontade de enfiar a garrafa no chão, ver os cacos e ver o vinho escorrido e ver as caras de choques e as mãos levadas às cabeças.
Essa ventania que bate às vezes e muda o cérebro que nasceu com a gente.
Leva ele embora, traz outro. Eu não sou mais eu, agora eu sou o outro lado.
O lado que vê estrelas debaixo do teto fechado, o lado que cheira mar de dentro de uma caixa enfiada no fundo da terra.
O outro lado que quer meter mesmo a garrafa por todos os cantos.
Quer explodir mais que só os cacos: quer explodir justamente a tal da caixa que faz o cheiro do mar ser só imaginação.
Há dentro de cada corpo um deus da humanidade.
Penso: é agora, enfio esse diabo de porcaria direto no cimento.
E aí o deus: quieta, quieta que tu não é louca e que tu nem é nada.
Mordo os lábios e permaneço (em tese) sã.
Balanço as pernas em verticalidades nervosas.
Não arrebento a garrafa, que o deus não deixa.
Mas, pelo contra-verso, arrebento as garrafas de dentro.
Ah, isso sim!
Todas as veias, estouradas e derramadas tipo o vinho que eu queria ver derramar e estourar.
Escapam gotículas de aflição pelas bordas dos meus olhos.
O deus da humanidade é um grilhão cheio de discursos insistentes.
A ele, chamam de moral; a ele, chamam de bons costumes.
Eu o chamo cão-sombra.
Dizem (e provavelmente têm razão quando o dizem) que o cão-sombra é o que há de sábio e lúcido em cada um.
Não tenho pretensões de ser lúcida. 
Ponto.


[O vento sempre acerta, sempre pela esquerda, feito tipo um soco. Sempre.]

Pode ser até justo, pode até ser certo (o que é "certo"?), e ainda assim o discurso desse deus pra mim é uma caixa de ferro sem tampa, uma desgraçada de uma martelada perpétua.
E toda martelada dói em quem tem carne para sentir.
Isso basta.
Só de pensar nela meu coração dispara em alucinadas crises de claustrofobia.
Só de pensar nela...
Só de pensar nela, eu já não quero mais pensar
- nem nela e nem em nada.

Esqueço das paredes da caixa e volto a ver estrelas.


20.5.12

A menina olhava pro mundo e perguntava se os homens tinham tacado os prédios nele de avião.
Atirando prédios, feito fossem bombas - e eu acho é que são é bombas mesmo.
Tem dias que eu desacortino o véu de quinquilharias homo-sapianas e aí eu posso respirar.
A gente foi subindo hoje a montanha mais alta que a gente achou para subir.
E a gente se dependurava feito fossemos cabras daquelas que desconhecem a lei da gravidade e tudo.
A gente já não conhecia mais, simplesmente, essa coisa da lei da gravidade (e até mesmo as outras leis e os blablablás também).
Eu deixei de saber sentir minhas pernas e deixei de saber sentir o meu corpo.
Meu cérebro deixou de saber pensar e eu virei a mesma folha de um ramo qualquer que minhas mãos afastavam mecanicamente.
Eu virei uma nuvem, que ia assim engolindo as montanhas como se elas fossem ar também.
Eu virei esse ar, porque ele entrou pela minha garganta dessa vez de verdade, que nem que como ele entra pelas brenhas das pedras como se pedras não houvessem alí.
Jamais deixarei de voltar a ser gente - especificamente essa gente tonta que eu inevitavelmente sou - uma hora ou outra; jamais serei mais ar que gente, mais folha que gente, mais nuvem que gente.
Mas o cume da montanha mais alta está aí para pelo menos apagar das vistas os prédios que os homens cegos derramaram descompromissadamente de seus aviões e que andam afunilando meus olhos cada dia mais rumo a um caixote de mercado cheio de papelada inútil dentro.

18.5.12

Sobre Tribunais e Auto-Murros



“They look at us like we’re monsters.”
Chieko

Mais do que tudo, a monstruosidade é um medo.
Eles não pensam nada sobre nós, nós é que pensamos tudo sobre nós.
Eles nem enxergam a gente a maior parte do tempo... nem isso.
Eles percorrem os olhos pelo nosso rosto mas é só.
E, se é que eles pensam qualquer coisa, esse pensamento não é nada.
Não é nada nem pra gente e nem pra eles.
Mas o nosso (o nosso pensamento), sim.
A gente corre pro banheiro pra chorar e a gente olha pro espelho e a gente acha que, se a gente fosse eles, a gente olharia pra gente como se a gente fosse monstros.
É isso.
É isso, mas só que ninguém é monstro..
Mas só que todos são monstros.
Quando você não está dormindo mas deveria, você enxerga refletido no escuro seu próprio rosto desfigurado: carregado de todas as insatisfações, todos os tiques-nervosos, todas as merdas mesmo.
Nesse momento, debaixo do breu feio, a gente vira auto-carrascos, encapuzados, e a gente arranca fora a nossa própria cabeça.
Daí que acordamos umas mulas de pescoço sangrento; acordamos decapitados.
E é esse a gente decapitados que durante o dia perambula por aí, paranoicamente enxergando nos olhos dos outros o nosso próprio olhar de represália.

Sobre Búfalos e Bungee Jumping

Quando os búfalos se dirigem para o abismo, quem vê de longe pensa que são todos loucos.
E a verdade é que talvez apenas o primeiro da fila fosse. Talvez.
(talvez ele fosse cego! talvez ele tivesse tropeçado!)
O resto não vê o buraco, só vai junto porque tem fé no primeiro e na manada; só vai junto porque não dá pra fazer as patas pararem de galopar.
Búfalos (e gentes) são bicicletas sem freio correndo barranco abaixo.


Quando os búfalos marcham para o erro fatal, os espectadores não entendem... simplesmente não entendem que não existe isso de erro fatal.
Tudo é um acerto, se quer saber, porque tudo - seja o que for - constitui o universo e porque o universo precisa ser constituído, oras!, precisa ser e pronto.
E, pensa, se o universo não fosse constituído as coisas também não existiriam e se as coisas não existissem elas não poderiam constituir o universo.
Uau... quantas inter-dependências!
O fato é que os búfalos caem pelo abismo, feito fossem cascalhos chutados pela sola do sapato da vida.
E eles poderiam não cair, claro.
Eles poderiam continuar por aí pastando ou fazendo sabe-se-lá-quê que os búfalos fazem... mas dalí dez, vinte, trinta  ou quantos-anos-que-um-búfalo-vive-mesmo-? eles cairiam pelo abismo também, talvez não de forma literal; mas cairiam. Todo mundo dá com as fuças no próprio fim, uma hora ou outra.
E entre um centenário de pastagem e cinco dias de loucura explosiva e coração disparado goela do mundo abaixo, acho que eu (e os búfalos) ficamos com a segunda opção.

17.5.12

Algumas pessoas nascem com a mania chata de querer ver.
Uma fome óptica, uma teimosia.
Ficam com os olhos nas mãos, tentando mirar até onde a cabeça não chega.
Enfiam os olhos pela laringe pra ver se podem ver de onde é que vêm os comichões e que cara têm as minhocas de dentro.
Mas essa estratégia de tomar os olhos pelas mãos feito o que Homem Pálido faz, deixa um rastro de buraco na cara das tais dessas pessoas, um baita monte de furos! (Viram peneiressoas ou pessopeneiras.)
E se quer saber, talvez esse - o desfigurado - seja um retrato bem mais preciso do que elas são de verdade.
E a verdade, a realidade, é uma beleza mesmo...
O que eu não sei é se elas passam mesmo a ver mais coisas ou se simplesmente passam a ver umas (as que ninguém vê) e deixam de ver outras (as que todo mundo vê); e daí se tornam uns esquisitões empastelados de perspectivas incomuns, mas sem que isso seja algum ganho real. No final das contas, depois de tanto esforço, elas acabam no 0 a 0.
Pode ser que talvez exista uma quantidade limitada de coisas que um cara pode ser capaz de enxergar na vida... pode ser que talvez os olhos tenham uma cota de imagens que podem processar por vez... pode ser que talvez o âmago tenha limite, sim! E tudo o que a gente pode fazer com o nosso pífio livre-arbítrio é escolher em que número da roleta vai querer apostar as próprias pupilas dessa vez.

15.5.12

A Respeito do Uno


Cena:
Quatro pessoas numa sala, uma delas sou eu.

Análise:
Se olho pra uma delas: é você.
As duas que eu não olho são eles.

Se olho pra duas delas: são vocês.
A uma que eu não olho é ele.

As três juntas: vocês de novo ( só que um vocês maior )

Combino elas como der na telha, conjugo elas como bem entender. Há várias variáveis.
(Inclusive nós, agrupamento ilusório...)
Mas eu!, eu só existe um. Intransferível, eu é um título obrigatório.
Eu é um crachá costurado a fio de ferro nas veias de cada um.
E quando eu acabar, não vai ter mais pensamento pra saber que acabou...
Quando eu acabar, não passa a ser outra coisa. Tudo acaba junto com o eu.


Eu dói.
Eu é uma coleira apertada no último furo - sempre diabolicamente mais apertada do que o pescoço aguenta...
Por isso que ficamos os eu-cães por aí, cada vez mais enfiando as patas traseiras na goela, como uns paspalhões desprovidos de dedo e conhecimentos gerais de engenharia e artefatos humanos, tentando arrancar  fora a forca disfarçada de linguística.

14.5.12

Sobre os viciados

Você é um influenciado compulsivo pelas sombras lunares.
O céu é cheio de uns pontilhados extravagantes a que os caras deram nome de "estrelas", mas essas tais dessas estrelas tanto faz. Você não dá a mínima.
Existe uma força maior que se sobrepõe, uma força cheia de talentos hipnóticos.
É como se as sombras lunares fossem buracos-negros emocionais.
Uma olhada e o seu peito começa a ser puxado para fora do corpo, lentamente, invariavelmente, irrevogavelmente.. para longe de todo o resto.
Você anda pela calçada gelada e suas pernas fazem o serviço por conta própria. Alguém te pára e você responde roboticamente. Tudo irrelevante e robótico, mesmo. Tudo frouxo.
A cabeça, as pernas, as mãos, a voz, os pulmões: estão todos alí batendo o ponto, menos o peito.
Seu tórax é a alma gêmea do lado escuro da Lua.
São polos opostos, se atraem quase que deliciosamente.
Seu coração se afoga na Cratera Daedalus como um recém nascido atirado ao mar. Completamente despreparado.
E ainda que o céu esteja azul e sua cabeça pense nesse diacho de azul, uma seção larga do seu corpo (do umbigo até a garganta, mais ou menos) sabe que a Lua tá lá, sempre lá, por trás de tudo, sondando sob as cortinas da atmosfera.
Chega a madrugada (mais precisamente as quatro da manhã) e não há escape algum. Simplesmente não há portas de saída.
É como a languidez lunar te enlaçasse ofidicamente pelo centro de tudo que você é.
Te arrastasse mesmo... cheia de sexualidade.
Uma sádica de primeira!
Quanto mais você chora mais ela gosta.

13.5.12

Porcaria

It's stupid to make sense
I don't want to make sense anymore
Just let me type something stupid and let it be good.
- Tao Lin


Não há mais racional. O racional virou uma bolota de pêlo de gato engastalhada na minha goela. É sujo.
Persisto no refluxo, tento expelir, mas nada.
O momento em que você encara a própria construção e percebe que ela não faz sentido (nem chão você pôs).
Apagar a gente não pode (e nem quer), mas a gente bem que poderia pegar uma esferográfica e rabiscar tudo por cima. Tudo mesmo.
Até ficar ainda mais confuso do que já é, até ficar confuso o suficiente para que a gente possa ganhar colhões de mandar tudo a merda de uma vez...
Mas assim, enquanto a gente ainda olha e consegue enxergar uns sorrisos no meio das janelas que a gente planou do lado de fora (bem onde não precisava); enquanto a gente ainda consegue entender certas palavras em meio aos chiados, a gente não pode.
A gente simplesmente não pode deixar pra lá.
E eu queria tanto!
Queria enfiar minha cabeça na privada e dar a descarga e deixar os desgraçados pensamentos irem pra longe de mim.
O pensamento é um cacoete burro. Eu inteira sou um cacoete burro.
Repetindo as mesmas porcarias, e no que digo "repetindo as mesmas porcarias" incluo a teimosia por mudança.
Quem muda todo dia faz sempre a mesma coisa. A mudança desenfreada também é uma rotina.
Eu não quero mais mudar, não quero mais querer mudar. E se é pra ser burra, que seja burra toda de uma vez... burra o suficiente pra sequer saber que sou.
Burra como a porta que eu preguei no teto da minha construção - a porta pela qual eu nunca vou poder passar.
O lado B que eu pus na vitrola virado de cabeça pra baixo... o lado B que eu colei alí, dando sentença perpétua de impossibilidade. Mais uma das minhas marteladas de quem foi obrigado a tomar responsabilidades de juíz. Pena é que minhas marteladas são sempre no meu próprio pé.

11.5.12

Infra-lunar

Uma clareira de piche no meio do mar de seres humanos.
A três passos da humanidade existe um lago de mato onde uma pessoa ou duas podem metralhar os medos todos.
Depois que o fogo acerta a gente não tem mesmo outra coisa a fazer exceto queimar.
Depois que o escuro acerta a gente não tem mesmo outra coisa a fazer exceto escurecer.
E depois que queima, nada.
E depois que escurece, nada.
E o nada é a tranquilidade do morto.
Mas na lagoa de mato sob a lua hoje, eu não pude deixar a cãibra de lado.
Ela me persegue no inferno e no sonho, na minha voz e no meu jeito de encostar um cílio no outro.
Eu odeio mentirosos, eu odeio mentirosos, eu odeio.
E a lua é linda e duas pessoas poderiam até metralhar os medos alí debaixo...
Até poderiam... mas só se uma das duas não fosse eu.

10.5.12

Um pensamento que é quase um latejar cardíaco.
As estrelas ficam sondando por cima e as ervas daninhas sondando por baixo e por todo o redor, em tudo, o vento perscruta e acha.
Tac tac tac.
Penso.
As palavras já não existem mais, o pensamento é sangue: corre o corpo todo, se estabelece, cria varizes, faz poça.
O pensamento lateja, daí que causa meus olhos borbulharem.
Já não vejo o mundo, nem vejo a mim e nem vejo nada.
Penso.
Penso com as veias...
As veias gritam as frases em código morse.
Tac tac tac.
Eu não sei falar essa língua, eu não sei; mas o corpo todo - cada célula! - sabe.
E aí ele dialoga com ele mesmo, fala de coisas que eu nem sei nomear (mas só que acho que sei).
E eu deixo.
_ . .
. _
_ .

9.5.12

Noir


Do you remember when I knocked upon your door?

Via você por trás do vidro embaçado enfiando na cabeça um chapéu escuro feito o breu. -  tentava esconder o furo da bala que um dia alguém derrubou na sua testa.
Você sempre tentando esconder, não saía mais de casa e nem nada.
(Todo mundo tem vergonha de ser metralhado, e todo mundo acha que é o único.)

Dei três voltas completas ao redor da casa, me equivalia a um cão esfomeado.
E os vizinhos me lançavam sapatadas na cara que era para ver se eu ganhava amor próprio ou ao menos engolia os choramingos.
Meus pés iam se enfincando cada vez mais fundo no chão, um chão que era meio que lama, meio que neve, meio que decepção...
Dá pra um cara grande morrer de fome numa situação dessas.
E eu, magricelas, me punha a devorar os sapatos que me atiravam, me punha a roer os próprios ossos com os olhos debulhados.
E roí tanto tudo o que eu era, que esse mesmo tudo desapareceu; me comi do avesso, virei porcaria inexistente.
E enquanto isso e enquanto aquilo, ainda era (e é) você tentando fazer a aba do chapéu pôr à sombra um diabo de estilhaço imaginário.

7.5.12

Refrão

Uma vez mais, depois de todas as promessas de se manter firme no campo aberto e livre de porradas, a parede se apresenta para que você choque sua cabeça contra ela.

Vários acres de possibilidades de ar plenamente transponível e uma faixa única e limitada de concreto num canto irrelevante.
Só que ar a gente não enxerga, ou não quer enxergar.
A gente só enxerga o muro, o que é duro.
E o concreto fala "vem" e você vai.
À toda velocidade, você vai.
Inclina a cabeça feito um touro tresloucado, cheio de burra coragem.
Quando vai ver é teu maciço ósseo estraçalhado na terra feito fosse farofa pela milésima e estúpida vez.
Bonito que só vendo.

6.5.12

Ele tem uma têmpora que fica piscando pra mim.
E é desconcertante, me desmonta.
Estive dirigindo montanha acima, desenfreada.
Fugindo da têmpora, esquecendo da têmpora.
Que a têmpora persegue.
O galho que eu piso ao acaso é o latejar da têmpora, o riacho à minha esquerda é o sangue que corre lá dentro. Meu cabelo que voa no vento é a têmpora que faz voar, no compasso que ela bem entender.
Dirigi montanha acima até o fôlego me faltar, até as pernas me faltarem.
(Respirava como um cão abobalhado.)
No final, quando nem mais lua tinha, quando nem mais pensamento tinha, só sobrou no mundo a veia mesmo... me piscando no canto da memória que nem uma psicopata.

5.5.12

Sobre os atiradores de próprios-pés

Ia mexendo o café, sempre no sentido horário.
Só mexia, não gosta de café.
O clima hoje é propício a andadas esmáticas, mas permanece.
Pensa na mulher que é dura mas que é bonita.
Pensa nas bordas de pedra do poço. Cimentadas, mas bonitas.
Acho que anda vendo que dureza é algo como que sensual...
Não sei de onde tirou isso, mas fato é que daí sente vergonha de tanto sorrisinho que lhe escapa.
Que é molengas.
Não faz cara firme, vive em derrames de expressão.
Nunca se reconhece no reflexo do café.
Enquanto se constrói na lama, é.
Mas por todo o resto do tempo, em todas as outras ocasiões: não é.
Guarda vontade de acordar às cinco e cheirar pra ver se acha o mar, mas permanece.
Tira a licença gripe-sentimental por "só mais hoje".
De cama. Só mais hoje.
O cobertor enrolado em enforcamentos até o pescoço. - literal e metaforicamente.

Das propriedades fundamentais da matéria e outras sacanagens físicas

Então você teve um sonho noite passada que misturava o pé do rio com o cume da montanha.
Tudo era comprimido num ponto explosivo.
Acordou com a sensação de lembrança e retorno, com a sensação das possibilidades!, mas o dia corre em minutos e cada um que te atropela aumenta a distância entre o lado A e o lado B.
Cada um que corre re-estabelece o conceito das dimensões, do espaço. Duas questões não podem estar no mesmo lugar ao mesmo tempo. É a lei.
O dia enxota as proximidades, levanta cercas territoriais, intolera objetos siameses.
E, diferentemente do sonho, o dia obriga a escolher.
Daí ficamos nessa por mais umas 12 horas de patética inexperiência: um bando de cegos tentando decidir pelo tato que camisa é a vermelha e que camisa é a azul (e qual das duas é a mais bonita).

4.5.12

Pisca-pisca

Como os vagalumes, erra por aí achando a noite infinitamente escura, se guiando só por um ponto fraco de luz que não sabe de onde vem (só suspeita).
Nunca sabe o que tem depois, só sabe o que tem no perímetro milimétrico ao próprio redor - nem a si pode ver, que espelho nenhum cabe nessa pequeneza.
Vê uma formiga, vê uma pedra. Mas passa sempre voando, nunca para de voar, por isso qualquer visão adquire status imediato de memória.

Há sempre uma nebulosa em chamas riscando o céu de um lado pro outro.
Mas ela tá - ela é, sempre - longe demais e toda a fumaça da troposfera e todo o embaço dos olhos a transformam em inexistência.
A maior parte do tempo vagalume olha pros próprios joelhos, tentando entender de onde é que vem a própria e limitada faísca. Só suspeita.
O risco de fogo sobra.
Fica de quadro só pros olhos da Lua olharem mesmo... se ela tivesse algum.

Sobre as 4

Quatro horas da manhã: hoje é hoje, hoje já é amanhã ou hoje ainda é ontem?
Eu assoviei uma canção na chuva e a chuva era deveras pesada e as minhas notas caíram no chão e escorreram pra um buraco.
Tenho consciência de que não existe uma linha que separa um dia do outro; fiquei de pé no asfalto esperando topar com ela e ela simplesmente não veio.
Tudo continuou como uma curva infinita e despropositada.
Eu continuei: infinita e despropositada.
Não existem marcas, o sono é a marca que a gente cola. O sono é a origem, o ponto de partida, mas não é a gênese.
Não há gênese em esfera.
E os insônes dão de cara com a eternidade giratória, com a pedra única que tudo é.

Dia é só uma ideia. Tempo é só uma ideia.
(Quatro da manhã não é lá nem cá.)
Eu sou só uma ideia.
Ele e ele também são.
Nós e eles e elas e o tempo e as palavras e as construções são contos de fadas que a solidão criou pra distrair a gente de um certo fato doloroso ou outro... dela mesma.

[Fico com medo de que ele escape da minha boca num dia desses de pluviometrias mais nervosas e escorra pro buraco... junto com as minhas cantigas, junto com tudo o mais.]

3.5.12

De repente percebe que a língua não cabe mais na boca (de novo).
Percebe que ela se retorce, espremida, bancando kamikaze contra os dentes afiados.
Os dentes são grades.
O corpo é grade.
Percebe os dedos dos pés trincados, tentando proteger as unhas de unhicídios ou burrices semelhantes.
Percebe as sobrancelhas já intencionando erguerem-se à estratosfera.
Existe cólica de sentimento?
Sente tudo revirado.
O dia se revirou, o tempo se revirou, as pessoas estão do avesso e eu estou do lado certo.
Não, não, não!
As pessoas estão do lado certo, eu estou do avesso.
O que importa é que estou de um lado e o resto do outro.
As etiquetas estão para fora, vergonhosamente para fora.
Quero grampear minha língua no lugar devido.
Quero usar meias de ferro.
Quero tomar uma caixa de ponstan emocional.

Se eu cortar todas as minhas etiquetas, será que ninguém percebe que sou eu que tô do lado errado?
O dia em que se acorda, se olha para a cama encharcada de vermelho e se sabe: amputação não é mais uma escolha.
E a diferença entre aquilo que a gente amputa do corpo e aquilo que a gente amputa da alma é que a alma regenera.
Ah, se regenera!
Aliás, regenera não... muda.
Nasce de novo. Todo dia.
Todo dia a alma é nova, mas os imbecis guardam a imagem da antiga na memória e não percebem isso.
Eu quero perceber.
Ontem antes de dormir eu mesma fiz o Jazz Funeral da minha ex alma.
Dancei em cima do meu caixão.
Tasquei fogo no meu caixão.
Hoje estou de cara lavada, sem maquiagem, sem expectativas.
Alguma coisa chora aqui dentro ainda, mas penso: a primeira coisa que o rebento faz no mundo é engasgar com o próprio soluço.
Vou considerar os meus um começo promissor.

2.5.12


Now the darkness only stays the night-time
In the morning it will fade away

-George Harrison


Há sempre uma espera.
Espera-se que o trem venha, espera-se que o trem chegue.
Espera-se que ocorra o que tiver que ocorrer, espera-se o retorno.
A vivência de um homem é o pular de estação em estação, o ir e voltar.
E nada com reais significâncias.
Se, pelo bem, os males se vão; pelo mal, se vão também os bens.

Um coração enfastiado de dilatar e comprimir.
Feito pele de quem engorda e emagrece, o coração depois de umas décadas pensa que vai esfarelar, pensa que não sabe mais sentir qualquer sentimento que seja no meio de tanta pelanca rota.
O coração quer pular do peito, quer abandonar o navio.
O coração não quer mais esperar o próximo respiro, é isso.
Ele vai pular...
Ele vai...
Não, ele não vai.
Ele não pode!
O corpo manda. A vida manda. O trem apita.. esse apito esperançoso dos infernos.
O trem manda, a estação manda.
O dia amanhece, sempre. Irritantemente sempre.
A felicidade é uma lei sufocante.
A gente, os zumbis, ajoelha e reza.
E tipo o crente em êxtase, enquanto de joelhos a gente é mesmo feliz.
(e tolo!)

1.5.12

Sobre quem é áspero

Permanece de canto puxando pele dos lábios.
A boca sempre seca.
Não faz ideia se chove, se faz sol ou se o céu já pariu (ou não) estrelas.
A única informação que chega ao porão é a temperatura: solta fumaça enquanto respira.
Deve estar fazendo menos quarenta graus pelo menos!
Três camadas grossas de auto-piedade, de sentimentalismos, e o frio só aumenta.
Não faz ideia das horas... e tanto faz, se quer saber.
Tanto faz, que é sempre madrugada pra quem tem olhos embaçados de escuro.
Quando não é madrugada, é fotografia.
Perde-se o sol com imagens falsas, e perde-se a chuva com pensamentos tão falsos quanto.
As filosofias não procedem mais, já não faz mais questão de ter um tema forte a que concentrar os esforços cerebrais.
Só continua gerando frases aleatórias, pelo ato de gerar.
Feito o halterofilista que já não tem mais metas exceto levantar mais peso só para não ter que sentir os braços vazios,  feito o halterofilista que tem os músculos tão grandes que cobrem a cara e entopem o maldito nariz.
E aí escancara a boca, puxando o ar quase que com desespero, quase que tipo o peixe que caiu para fora do aquário.
É assim que a boca seca.
Permanece de canto puxando pele dos lábios.
Quanto mais puxa mais tem para puxar.
Tudo descarnado, tudo grosseiro, tudo feio.
Já não tem - se é que já teve - mais ares de menininha.