30.5.11

Sobre maus lençóis hipotéticos

Tem certas coisas que são tão péssimas que às vezes mesmo tendo a exata certeza da impossibilidade de que elas deixem de ser só uma idéia estapafúrdia de segunda-feira à noite, o nosso estômago gela de qualquer jeito e a gente passa uns bons vários segundos com o corpo tendo as clássicas reações de fim de mundo só de imaginar uma realidade em que tal fato assombroso fosse possível.
Pior ainda é quando a gente descobre que mesmo aqui na nossa realidade seca não é tão inviável assim quanto a gente gostaria que fosse; quando a gente se dá conta de que a gente finge a improbabilidade só para proteger o chão da nossa queda bruta e instantânea.

27.5.11

Sobre interrupção

É uma enorme sinfonia que escancara as tuas janelas empoeiradas numa sexta-feira descompromissada qualquer.
É enorme, e e mais: é extravagante.
Cada milímetro quadrado do teu cubo espremido - que, por menor que seja, é teu mundo todo alí - se preenche de sensações vindas da Lua, de Marte, de um Gliese 581c desses aí ou ainda mais além que tudo isso. Quem sabe?

E, puxa vida, como é que você tem prazer em respirar tudo isso que te é tão alienígena mas que ao mesmo tempo te é tão mais íntimo do que a terra batida onde tocam seus pés e te é tão mais conveniente que o próprio oxigênio.
Você respira fundo e você nem consegue acreditar.
Uau...

Uau! de novo.
Está tudo bem alí, dançando....
E não apenas isso!
Porque você já viu como são as danças algumas vezes e sempre foi até que legal, e você até que aplaudiu; mas a verdade das verdades - por doída que seja - é que ninguém nunca te pegou pra dançar juntinho...
Ou então... ou então - você se lembra -, ou então até pegou, mas você estava dormindo ou vendo TV.

Dessa vez não, dessa vez você não ousa piscar, e aí você e aquela ode toda a sabe-se lá o que - a deus, ao quadro na parede, a você... sei lá! - valseam de um lado pro outro e de novo e de novo e não existe cansaço, só existe a vontade; só existe o movimento em puro estado de inércia - a inércia certa dessa vez.

Só que daí, como que pra te colocar no teu lugar, sem mais nem menos BLAM!: a janela se fecha e o som acaba e não existe nem um rallentando amigo camarada para te avisar que já era tudo, pra te poupar do susto do vazio, da ausência.
Só o baque mesmo, só o tapa bem no meio do fraseado, bem no meio do compasso...

Uma nota rachada fica engasgada na tua garganta e a única coisa que você pode fazer até a próxima primavera é beber muita água e comer muito miolo de pão pra ver se ela vai embora... ou, pelo menos, se der sorte, arranha um pouco menos porque desse jeito que tá você não dura até amanhã.

20.5.11

Sobre peso

Porque o vento é forte e carrega facilmente todas as folhas ao meu redor, não me restam alternativas e me vejo então finalmente me assumindo pedra dura estagnada, dependendo de alguém que passe e dê um camarada pontapé.

17.5.11

Sobre desalcance

É como quando era criança e se ajoelhava na areia quentinha com o picolé pingando nas mãos e devorava tudo como um monstrengo descontrolado e ninguém entendia tamanha ânsia.
É como quando gritava que esse era o melhor picolé do mundo e a voz saía descompassada e cheia de esganiço  e a imagem que passava de si pro mundo gigante girante ao redor era a de um pobre coitado(zinho).
É como quando espiava a brechinha que aparecia do palito de madeira que ia surgindo pelas beiradas e percebia que mais uma vez o prêmio prometido na embalagem ficaria só na promessa mesmo.
É como quando diminuía o ritmo das mordidas para dar mais tempo do universo voltar atrás na decisão e mudar as letras gravadas na haste; como quando poupava o máximo possível, e daí lambia com mais amor - talvez fosse isso que faltasse!: mais amor...
Mas não.


[Vamos combinar: não queria o picolé.
Eu sei, não queria também o prêmio.
Só queria o retorno, acho.
Só queria ler alí "você ganhou.", seja lá o que fosse que tivesse ganhado - era o mínimo, depois de tanta dedicação.
Mas nunca que vinha nada disso, era sempre a mesma coisa.]

É como quando o momento chegava e não havia mais nada a ser feito exceto jogar fora o resto irrelevante da sua preciosidade.
É como quando no dia seguinte amanhecia cheio de esperanças, o peito tremelicante, estufado.
É como quando pensava na nova estratégia, aquela que dizia que o melhor era desdenhar do que pudesse vir a ser o prêmio e de repente ele viria assim.
É como quando decidia heroicamente se virar ao avesso como prova de que faria o que fosse necessário.
Mas aí é como quando não conseguia impedir as aceleradas cardíacas na primeira mordiscada.

É agora frustrante como era sentir o fracasso e o descaso.
É uma situação desgraçada e engasgada essa de quem a onda sempre chega perto mas nunca toca os pés e daí fica lá esperando ter mais sorte da próxima vez, esperando pra ver se a maré vai subir.

A mesma praia... a mesma rejeição vestida de outras vestimentas.

15.5.11

Sobre paisagens, caminhos e etc

De repente é você bem no meio da estrada e a verdade é que todas as paisagens (tanto aquelas que estão por vir quanto aquelas pelas quais você já passou) sempre te pareceram muito mais interessantes do que aquela bem diante dos teus olhos; você sempre se sentiu como se estivesse perdendo o verdadeiro espetáculo e sempre culpou tuas pernas por terem caminhado devagar ou rápido demais; você sempre culpou teu coração por ter escolhido o caminho errado da bifurcação. 
Mas dessa vez é você alí, entre duas curvas: aquela que você ultrapassou crentes que era uma linha reta - e agora, vendo de longe, se sente orgulhoso por não ter tombado no meio dela - e aquela que está por vir e você encara estatelado, como se fosse um desgraçado de um nó, mas que no fundo é uma curvinha bem besta. 
E você alí pela primeira vez esquece a frente e o verso, esquece as encruzilhadas e os pedregulhos no chão.
Dessa vez você olha o despenhadeiro à sua esquerda, você olha o despenhadeiro à sua direita e você olha o céu infinito te chamando pra alguma coisa que parece ser realmente muito boa, como por exemplo o esquecimento...
Felizmente você já aprendeu que esse céu, com nuvem ou com sol, é só mais um penhasco disfarçado de coisa boa e pode até ser que cair por ele não te quebre os ossos mas você, bom aluno,aprendeu também que, de estragos no corpo humano, ossos esfarelados são dos males o pior - que o diga teu coração!
Daí você olha pra tudo isso e olha bastante, e você vê com clareza.
Você descobre que em todos os cantos as formigas pululam escolhendo a esquerda ou a direita nas suas próprias (mini)bifurcações; você descobre os gaviões no alto tentando descobrir o vento certo a seguir. Você olha lá em baixo, no fundo do buraco, uma estradinha de terra por onde caminha um outro cara tipo você.
E ele lá parado olha pra cima e não acredita que tem gente caminhando no pico da montanha, se lá embaixo é tão mais fácil... e você olha pra ele e você não acredita que alguém conseguiu chegar até lá sem se ferir. Vocês se admiram.
Você admira as formigas e os gaviões, e admira as florzinhas que se empurram tentando ter melhor acesso ao sol - e ele, que sempre parece se pôr na hora H?
E a verdade é que existem várias paisagens a serem exploradas ainda, e a verdade é que muito mais ainda do que todas essas que virão nunca, sob hipótese alguma, serão sequer imaginadas por você; ficarão lá existindo simplesmente, quer você queira quer não.
A verdade é que todo caminho é um caminho e tem suas belas vistas.
E a verdade, a verdade mais verdade de todas, é que as belas vistas são só o lucro: a verdade é que todo caminho é só mais um caminho para chegar até lá: o próximo caminho... que é só mais um caminho para chegar no próximo caminho e assim por diante infinitamente, amém.

E daí você põe as mãos no bolso, continua assoviando Greensleeves descompromissadamente.
Dá o próximo passo, que no fim das contas esse é o seu papel e o caminho faz o resto todo pra você.