29.6.10

Do Moço e da Moça IV

Uma vez ocorreu ao Moço como seria se sentir como a Moça.
Ele se esforçou para imaginar como seria se a Moça soubesse que lá embaixo havia um Moço que só estava lá por ela, e fez isso porque queria muito acreditar que a Moça iria gostar de saber disso.
Ele passou a olhar para a Moça como olharia se tivesse certeza de que ela sabe, mas quanto mais queria que fosse assim, mas ele ia ganhando certeza do oposto: a Moça nem sequer desconfiava da presença dele.
O Moço se tornou o homem mais indignado do mundo inteiro, ele simplesmente não podia compreender porque é que a Moça não olhava para o pé da escada, somente olhava para o topo.
E foi aí que ele percebeu que era isso também o que ele fazia: o Moço nunca sequer cogitou olhar para baixo.
Suas espinhas congelaram quando subiu ao cérebro a hipótese de ser também o Moço, para outra moça, o que a Moça é para ele.
E que lá embaixo dessa outra moça, teria um outro moço.
E depois dele outra moça.
E depois dela outro moço.
E depois outra...
E outro..
Todos um bando de condenados a querer o que quer outra coisa.
Ninguém nunca teria nada no final, e ficariam todos por alí mesmo até virarem farelo.
Longe de se desesperar com a idéia, o Moço foi tomado por um vento novo que lhe dizia que talvez fosse uma boa saber como é a moça que fica ao sul (aquela que o contempla) e estava a ponto de se virar quando uma enorme pedra o atingiu em cheio no estômago e lhe lembrou que olhar para trás seria a confirmação de que sua teoria da escada infinita estava correta e isso traria também, de brinde, a realidade da pior de todas as possibilidades:
A possibilidade de que a Moça à sua frente não é o fim da escada e sim apenas uma de suas partes; que a Moça não olha só para frente porque gosta do vento - a Moça olha pra frente porque tem também a Moça um outro moço.

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