19.1.11

Sobre o ponto cego

De repente é você lá, no peitoral da janela, e você vê o mundo todo.
De repente um carro.
De repente uma árvore, uma flor.
De repente é o céu que se faz de azul marinho só porque você acha mais chique.
De repente os bondes, os fogos de artifício e as trovoadas.
De repente o rio.
E, se você ousar esticar um pouco mais os olhos, de repente é o mar.
De repente a ferrovia, a roda gigante.
De repente o entrelaçado de sinalizações para todos os lados.
De repente o caminho da esquerda.
De repente é você lá, com os pés na terra, e você sente o mundo todo.
De repente a chuva.
De repente a lama.
De repente as botas, os sapatos, os chinelos, os remendos.
De repente o céu cinzento... mas bonito.
De repente é o asfalto.
De repente buzina, de repente farol.
De repente a carroceria, a palha.
De repente tempestade, de repente sol.
De repende o arco-iris.
De repente o pote de ouro.
E de repente ouro é uma metáfora para algo maior.
De repente é você lá, em todos cantos, e você vive o mundo todo.
De repente a correria.
De repente a afobação.
De repente o caderno, de repente tesouras, colas, canetinhas.
De repente não é nada disso.
De repente os bodes da praça.
De repente os guisos.
De repente o roquenrol.
De repente a mesa da sala.
De repente o travesseiro.
De repente o galo e a cortina aberta.
De repente é você lá, no peitoral da janela, e você vê o mundo todo.
E de repente agora só falta ensinar aos olhos a ver, sentir e viver também as pessoas dentro dos carros, dentro dos prédios, descansando debaixo das árvores.

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