28.6.10

Sobre as Engrenagens

Acender as luzes de madrugada não vai fazer sumir a insegurança do homem que trabalha, quer você perceba, quer não, incessantemente para descobrir como consertar a máquina que lhe entregaram - já quebrada - quando ele nasceu.
Ele carregou ela nas costas até que pudesse por os pés no chão.
Aí ele se dividiu em dois: um ficou com a carne e os ossos, e a ele lhe deram também olhos para ver o que lhe transcende (até certo ponto); o outro ficou com a máquina e o escuro.
O escuro do Outro é um escuro diferente daquele que o primeiro percebe quando tranca os olhos pro mundo; o escuro do Outro é o escuro também do som e do tato, é o escuro das certezas e até mesmo o escuro da escolha.
No escuro do Outro só existe ele e sua tarefa impossível.
Mas aquele que é responsável só por andar e amar e comer e carregar alguns quilos de pelanca acha que tem o comando e passa o tempo fingindo que o Outro não existe.
Aí um dia ele colapsa e chora e não sabe o por quê.
Se ele olhasse - com aqueles belos olhos que ele nunca aprendeu de fato a usar - um pouco para a própria encruzilhada ele veria o Outro e veria todas as peças soltas e todos os fios arrebentados que deixam o Outro sem saber o que fazer e deixam o Outro pensando em como seria bom se soubesse.
Se o primeiro for um pouco mais honesto vai admitir, uma hora ou outra, que as dores do Outro são as suas e que não existe Outro, mas sim apenas um.
A cegueira do outro é a sua, tanto quanto a impotência.
E o choro sem razão vai fazer sentido só quando ele perceber que cada soluço não é nada mais que um pequeno instante de honestidade inconsciente daquele que no fundo simplesmente não sabe como consertar a si.

Nenhum comentário:

Postar um comentário