20.6.10

Tinha uma linha no céu.

Era alto demais pra alguém arrancar, era forte demais pro vento arrebentar.
Era visível demais pra gente fingir que não via.
Aí a gente via só a linha e esquecia das estrelas, porque as estrelas tinham que estar lá mesmo e sempre vão estar, daí que a gente sempre achava que poderíamos vê-las no dia seguinte se desse vontade.
Mas a linha era outra história.
Nenhum gavião voou alto o bastante e os aviões iam só até o comecinho da estratosfera.
Procuraram os postes de suspensão de norte a sul, e no leste e no oeste ninguém viu.
Eu também não vi daqui da janela do sótão, mas tinha uma teoria.
Eu achava que a linha na verdade estava estendida entre a Lua e Marte, e nós éramos apenas os espectadores.
Mas ser humano é assim, ser humano é achar que o que tocam os olhos é posse.
Aí a gente vê o Universo e acha que assim carimba o nome nele.
A linha era nossa.
A linha dividiu o planeta em dois.
Mas a terra girava e girava e aí se em um momento eu era de cá, dalí a pouco eu já era de lá e no final ninguém era de lado nenhum.
E, mesmo havendo a possibilidade de sentirmos todos parte de um grande grupo, a verdade - obviamente - é que nos sentíamos simplesmente sozinhos e excluídos de todos os outros.
Parecia que o resto era um grupo coeso e nós eramos o outro, bilhões de vezes menor em número e força.
E cada um se sentia assim e eu também.
Daí passou o tempo e ninguém mais falou dela e uma geração veio um dia e disse que existia algo no céu chamado Via Láctea e era onde a gente vivia.
Mas ninguém nunca fez a relação.
E eu não sei, posso estar errada, mas tenho a impressão de que o mundo esqueceu a linha, mas não esqueceu a sensação doída que é ser escolhido pro grupo de um só.

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