31.7.10

Somewhere over the exosphere

Vênus governava o céu e Dorotéia gastava os últimos minutos daquele último momento daquele último dia antes de amanhã - um amanhã sem grandes novidades, mas com a Terra alguma fração de grau mais pra lá do que pra cá - encarando a beldade estelar.
Ela sempre viu Vênus como um "ele", e era a ele que ela dedicava suas mais inaudíveis preces toda vez que a noite era vazia demais... toda vez que a noite era daquelas sem nuvens, sem lua e sem um algo qualquer desses aí, em que ela pudesse concentrar o "querer bem" infinito (infinito por não ter fim, mas principalmente por não ter lá fins muito concretos), inquilino de longa data dentro daquela carcaça de garota boba.
No começo ela só via o planeta, mas uma hora ela descobriu que era totalmente possível respirá-lo também. Daí o corpo se calava e deixava que as cordinhas invisíveis nas pontas da estrela comandassem os pulmões como se fossem fantoches.
"Bom, muito bom!"
Era isso o que ela murmurava percebendo a própria carne assim tão quieta... achava que era bom mesmo, porque daí sobrava mais espaço pra pensar...
Pensou que pensar era bom, e aí pensou em Vênus... só em Vênus, porque as outras estrelas eram apagadas demais!
Mas aos poucos ela foi se lembrando que, apagadas ou não, aquelas eram as verdadeiras estrelas.
Vênus? Ladrão de brilho, isso sim!
Pronto! Vênus agora era uma farsa e não podia mais negá-lo.
Aceitou e, decepções à parte, acabou percebendo que pelo menos uma partezinha dela não se importava com as mentiras e com as verdades estelares, até porque foi assim que ela percebeu mais uma coisa: percebeu que fazia todo o sentido que a nossa Terra também roubasse brilho sem que a gente soubesse.
Aí se perguntava:
"Será que, pra quem tá em Vênus, somos nós o diamante que ofusca todo o resto?"
Ficou toda cheia de si! Acertou a postura e cerrou os olhos, respirando ainda mais fundo.
Achou por um breve instante que em algum lugar ela era o objeto do "querer bem" de alguém.
Sorriu e se apaixonou perdidamente, como se pudesse chegar em casa e mandar um e-mail para seu Romeu galático.
Mas daí se lembrou que em Vênus não tem ninguém pra olhar pro céu, nem ninguém pra olhar pro nosso mundo, nem ninguém pra olhar pra ela.
E isso lhe tirou qualquer fiapinho daquela ilusão toda que ela passou a noite tecendo.
Desistiu... pelo menos até amanhã, quando ela resolver voltar os olhos para algum astro mais remoto e menos estraga-prazeres.

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