31.8.10

Sobre quem andarilha

Andava mais de trinta e cinco mil quilômetros por dia, com seu rabo de cavalo que balançava triunfante acompanhando o compasso de Smoke on the Water ou qualquer uma dessas aí, desde que fosse das antigas.
O casaco era amarrado na cintura com dois nós, que era para não soltar... já os tênis estavam completamente desamarrados, e era bem por isso que vivia tropeçando por aí aos montes.
Corava levemente enquanto se erguia do chão limpando os joelhos esfolados, mas a vergonha só durava tempo o bastante para perceber que ninguém via o tombo. Ninguém nunca vê.
Até quem olha... olha duas vezes, três... observa bastante todos os detalhes da roupa (se for homem, olha bem o que o casaco tenta esconder), mas só.
Ninguém nunca vê.
Aí continua tropeçando por aí, meio que à esmo, mas também meio que tendo a exata certeza de pra onde que está indo.

Era do tipo que cansava fácil o corpo e aí sentava no meio fio e chorava alto.
Mas numa caminhada dessas mais longas, descobriu que era na verdade excelente que o corpo se cansasse, porque era esse o único jeito de se distrair e não prestar mais atenção no pulso: esse sim realmente fatigado, mas não de bater... de sentir.

E aí continuava chorando alto, mas agora de pé: um pé na frente do outro e os olhos logo alí na próxima montanha onde fingia que no topo haveria a chance de sentar e tomar um fôlego.
Chegava lá no alto e descobria que os pés não conseguiam fincar no meio centimetro de terra plana entre a subida e a descida - não tinha jeito, era obrigada a cambalear morro abaixo, rezando pro vento bater nas bolhas dos pés e aliviar um pouco a barra, rezando pro vento bater um pouco por trás e carregá-la no lombo pelo menos uns dois ou três metrinhos que fosse.

Quando chegava do outro lado, no chão reto, via os montes de gentes sentados tomando seus fôlegos com seus cocos gelados e seus óculos escuros e seus traseiros voltados para o sol.
Não demorou muito e ela descobriu que aquilo não era tomar fôlego, aquilo era o que eles chamavam de vida.
Achou que de repente fosse melhor,  para o bem dos próprios pés, deixar de percorrer para então começar a viver. Mas três segundos estirada na areia e então soube que aquilo também não era viver... aquilo era esperar.

E viver mesmo é algo que ainda não sabe o que é... mas, pelo sim, pelo não, prefere continuar andando mesmo que seja só para manter o pulso calado por mais um tempo.

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