25.10.10

Sobre quem se anestesia

E aí, depois de tudo, o tudo que é, no fim das contas, miseravel e abominável branco na memória, sente a nuca explodir como um fusca que se espatifa na traseira do caminhão de lixo.
Porque não é só a batida.
Não é só o capô estraçalhado e uns ferimentos na testa.
Não é só a multa por dirigir irresponsavelmente.
(Você dirigiu achando que estrada era cheia de curvas, mas agora olhou pra trás e descobriu a patética linha reta pela qual zigue-zagueou como um doido varrido.)
A multa você aguenta, quem vai pagar é o seu pai.
O que você não aguenta, desde já, é a cara que ele vai fazer.
E você também não aguenta a sua mãe instantaneamente ao telefone contando para deus e o mundo.
Você não aguenta isso.
E o carro mesmo, bem alí na sua frente, completamente despedaçado, não te dá um pingo de raiva.
Em algum lugar por ali, no meio do caos, existe alguns aspectos que você já conhece, já sabe de cor aquela confusão e os destroços. Você olha para ele e você se afeiçoa, você faz um carinho no seu camarada.
Dentro de você tem um desses... já faz tempo que tem.
Nenhum reboque passou pra recolher e você sozinho não conseguiu vomitar.
Por isso é que não te incomoda ver a feiúra da lataria retorcida. É cotidiana.
O que te incomoda é o cheiro daquele lixo todo que caiu em cima de você, porque ele não faz parte do azar, o azar todo mundo tem. Todo mundo bate de vez em quando.
Mas o cheiro e as cascas de banana escorregando sorrateiramente para dentro da sua camisa e a sujeira em formas várias que tenta se fundir com o seu cabelo e pele, esses não eram parte da história.
Esses ultrapassaram o limite.
E aí quando você sozinho sentado na sua mesa de trabalho põe a mão na nuca e abre os olhos não existe fusca nenhum e o seu pai não está nem aí e a sua mãe também já não dá a mínima, mas o cheiro do lixo está lá, impregnado em cada migalha de cada uma das suas falhas tentativas de qualquer coisa, pra qualquer coisa.
É esse cheiro, essa lembrança... é isso o que te dá a raiva.
Só é uma grande pena que não existe por alí nenhum pau da barraca para ser chutado. Se tivesse - você se contenta - você chutaria com toda a força!!!!
=)

Depois de concluir isso, você se dá os parabéns e volta a trabalhar como se o gelol fosse realmente resolver o seu problema.

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