17.11.11

Dos ordinários e seus dias ordinários II

Dois pombos esgarçados de chuva me fazem companhia enquanto eu, também esgarçada de chuva, aguardo que qualquer coisa interessante aconteça. Meu coração está completamente esgarçado da mesma insuportável porcaria de chuva e tudo o que se vê adiante (isso, claro, pros que tiverem cara de olhar com força) pode-se resumir a uma poça.
A gente - eu, os pombos e meu coração -, a gente não aguenta mais.
Os carros se atolaram nas próprias rodas e os delinquentes que se auto-proclamam pedestres zanzam de um lado pro outro com feições ranzinzas tipo meio que como se fossem, cada um deles, fumaça de cigarro me atormentando os pensamentos.
Os pombos agora me bicam os sapatos como que eles fossem comida, mas dou-lhes uma bica para longe.
Fico sozinha.
Daí me ocorre de repente que talvez na Índia, ou qualquer um país desses aí, talvez neste exato momento haja alguém com um coração tão esfarelado de aguaceiro quanto o meu.
Suponho então, momentaneamente dotada de uma centelha amarelada que pode ser classificada como "meio que uma esperançazinha boba", uma amizade com o camarada hipoteticamente tão desacalantado quanto sou, mas daí vejo que não faz diferença.
Não faz diferença, não. 'Que a Índia (ou qualquer um desses aí) é completamente fora da minha realidade, essa minha realidade de poça, de gentes esfumaçadas tão indiferentes assim, de barrancos derrubados, de boas ideias soterradas e toda sorte de más-sortes que se possa imaginar.
Esqueço essa baboseira sentimental de acalanto, me foco na sobrevivência e os pombos voltam a bicar-me monotonamente.

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