1.11.11

Sobre comparações

Moro nesse lugar que é tipo uma fazenda.
Tem um catavento que eu nem nunca vi girando apesar de todas as folhas do chão do terreno ao lado estarem em constante alvoroço.
Acho que ele é grande demais, ou então enferrujou.
No lote ao lado tem uma garota de franjinha bem rente e canelas magrelas e ela nunca me deu oi, e ela nunca nem nada.
Ela só anda por aí conversando com coisas inconversáveis tipo lascas de casca de árvore e os próprios joelhos.
Dentro da minha casa existe uma grossa camada de pó sobre todas as coisas e por mais que eu tente espanar nunca pude fazer nada sobre isso. Parece que é tipo um feitiço que já estava lá quando eu cheguei.
Meio que como o catavento, nada na minha propriedade funciona. Nem eu.
Em tardes como esta me sento na beiradinha da cerca de arame farpado correndo todos os ricos de me ferir. É o que há de mais emocionante para se fazer por aqui, correr o risco de me ferir.
O riacho fica no terreno da garota de franjinha, e ela nunca me chamou pra ir por lá.
Fico aqui debaixo do sol mesmo, vendo minha pele descamar em outras peles que não sinto serem minhas de verdade.
Tenho certeza absoluta que a qualquer momento chegarei a uma camada de mim que é na verdade outra pessoa. Completamente outra pessoa. Certeza disso.
Mas em compensação a garota nesses cinco anos nunca cresceu sequer um milimetro, e nem a sua franjinha. Tampouco suas canelas engordaram.
E tem dias que o sol me fere tanto a sanidade que penso que a divisória entre o meu terreno e o dela é um espelho ou uma televisão em constante replay de algum filme antigo de família.

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