7.1.12

La Reina

Estive com sede pelas últimas vinte e quatro horas.
Um caminhão passou pela rua gritando horrores e o céu se fantasiou de corvo.
Amadureci meus sentimentos pela chuva enquanto caminhava pela mesma desprovida de proteção, bem como quem se desfaz dos rosários para reunir-se às bestas e só assim pode vê-las como são.
Traguei a companhia de um amigo querido, viciada nas palavras esfumaçadas que meu cérebro tentava captar (deixei que passe batido aos meus olhos o formato de seu rosto).
Meus olhos viraram ouvintes e meus ouvidos viraram cadáveres.
Não posso mais não me perguntar que parte então do meu corpo se ocupa da missão de ver.

Estive com sede, mas ah!, como estive.
Esparramei os livros pelo chão procurando a cura para minha dor de cabeça e as letras miúdas se propuseram a enfatizá-la apenas.
Troquei meu vestido de noite pela pele crua de um banho fervente e longo; as vidraças logo se embaçaram e assim a minha mente se esquivou de mim.
Abri a boca e engoli a água suja do chuveiro sentindo minha sede piorar.
Em todos os meus anos de existência a palavra "sede" nunca me teve as mesmas significações das enciclopédias; em todos os meus anos água apenas me nutriu, nunca me saciou.
Busquei os braços dos meus amores mortos e descobri que lhes faltava o movimento do peito que sobe e desce para acalentar cabelo cacheado de mocinha de torre de castelo; descobri que meu corpo pelando entrava em choque com as geleiras-humanas prostradas em minha cama.

Foi num momento de desesperança quando me sentia a última das mulheres - um pedaço de carne tolo pendendo imbecil sobre a fronha - que se derramou sobre os livros do chão um cálice latino que me pediu que lhe desse a vez:

"Yo te he nombrado reina.
Hay más altas que tú, más altas.
Hay más puras que tú, más puras.
  Hay más bellas que tú, hay más bellas.
Pero tú eres la reina.
Cuando vas por las calles
nadie te reconoce.
Nadie ve tu corona de cristal, nadie mira
la alfombra de oro rojo
que pisas donde pasas,
la alfombra que no existe.

Y cuando asomas
suenan todos los ríos
  en mi cuerpo sacuden
el cielo las campanas,
y un himno llena el mundo.

Sólo tú y Yo,
  sólo tú y yo, amor mío,
lo escuchamos."

E os caminhões se calaram e o céu se transvestiu em carmim e eu não senti mais sede então.

Nenhum comentário:

Postar um comentário