3.3.12

Sobre degelo

Hoje você resolveu ir a pé.
O caminho é escuro (e cada vez mais) e as gentes são apenas gentes, dessas que têm sempre por aí, passantes e inexistentes bem como tudo o mais.
Você também, passante e inexistente pra tudo o mais, menos pra você mesmo.
Você não pode se livrar de você, você não pode atravessar a rua quando se vê no reflexo da vitrine, suas tentativas de se auto-evitar são fúteis.
Você não pode ver um maldito palmo à frente do nariz.
Às vezes te acertam os faróis aos olhos, e mesmo que o caminho se ilumine por alguns segundos de que serve se durante os mesmos segundos você é cegado pela luz?
Aí você prefere que não haja luz alguma, antes o escuro sincero que a mentira do holofote mal direcionado.
Antes de hoje você era um cara que cansava as pernas com facilidade, nunca foi um esportista dos melhores... as toneladas espremidas no peito te mantinham no mesmo lugar, sentado igual dois de paus esperando a vida te trazer um guindaste ou halterofilista gente-boa.
Mas agora é diferente, você sente as mesmas toneladas (ou talvez elas não sejam mais as mesmas) te fazendo atravessar o chão, rumo a um sei-lá-onde assustador.
E aí que você prefere andar, você aperta o passo feito aquele cara fugindo das rachaduras que um degelo inesperado traz de uma hora para outra.
Você olha ao redor tentando achar as outras pessoas e suas toneladas correndo para o local seguro, mas as outras pessoas e suas toneladas são só passantes inexistentes e os faróis continuam lançando as ferroadas que jamais te deixarão achar o tal do local seguro.

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