3.8.12

Diário de atraso e ressaca

Fico pensando na noite anterior.
Um jardim de mato alto e largado, na medida certa; a lua tão escandalosa que certamente era uma mentira (só podia ser uma mentira!); uma cadeira de ferro quebrada e o cheiro de fogueira me subindo pelas pernas.
Tudo foi embora (como tudo), a noite passou e varreu a lua, a cadeira ficou onde ficou e eu não estou mais lá e o mato deve ter crescido mais desde então e ter passado da medida.
Mas o cheiro da fogueira ficou no meu cabelo, feito uma memória que é carrasco.
Feito um beliscão de realidade.
Me sinto fedorenta, de corpo e espírito.
Enquanto meus pés se enfincavam nas cinzas eu pensava que eu era tipo elas: uma coisa que sobreviveu ao fogo mas que não resiste à menor das brisas.
Ou pior: resiste.
Mas se espalha, se perde, se fragmenta.
E o cheiro da sobrevivência fragmentada agora está permanentemente em mim, derramem sobre minha cabeça quantos rios forem necessários.
Ainda há a memória...
Uma cadeira arrebentada e as ervas-daninhas e a lua que com certeza era de mentira.
Se me tirarem meus braços eu ainda sou eu?
Se dai me tirarem minhas pernas eu ainda sou eu?
Se dai me tirarem meu estômago eu ainda sou eu?
Se tirarem meus olhos?
Se tirarem minha língua?
Se tirarem meu coração?
Quando é que uma coisa deixa de ser o que ela é?
Em quantas partes se pode mutilar um ente e poder chamá-lo ente ainda?
Eu quero saber porque eu quero des-ser.
Igual a lua... que precisou virar mentira pra eu olhar pra ela.

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