24.9.12

Diário de Calçada e de Beirada

Você se mescla na margem, na boca da terra com o rio.
Margem é lugar de mendigo e pedra e coisas que estão à parte do resto.
(Um lugar bem próprio para você, essa tal de margem.)
Uma lista improvisada dos habitantes da margem poderia ser:
Você, um mendigo e uma pedra - como fora dito -, e ainda: uma flor vagabunda demais para terem lhe dado nome e espécie, uma lata de ervilha sem ervilhas dentro, uma calota de carro (que foi embora sem ela), pingo de chuva sobrado em buraquinho, ratazanas e santinhos de vereador safado (que são parentes entre si), um clips, uma tampa de bic mordiscada, uma moeda de cinco centavos e resíduos de porcarias genéricas que o tempo já mutilou.
Pela primeira vez você se sentou alí com os teus iguais pra dar uma averiguada no que é que andava nascendo pelas gretas da sua cara, que se partiu no meio há muitos anos, e não sentiu nada. 
Para sua grande surpresa - nem boa e nem ruim - você agora se parece mais com a lata de ervilhas sem ervilhas do que com o mendigo ou a flor ou qualquer outra coisa: você é agora caixa de gente que não tem mais gente dentro.
A surpresa é que isso significa que um dia já teve.

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