13.12.12

Diário de Calçada a Dois

A gente ficou parado sobre uma calçada encharcada sob um letreiro em neon que a gente não conseguia ler porque brilhava demais e a gente não sabia como foi que a gente foi perder aquela sensação.
Os sabiás noturnos são as ratazanas e as andorinhas são as baratas.
Em terra de estrela pode ser que de noite passe um vaga-lume, mas vivemos agora na terra do neon.
Neon come estrela.
Neon substitui vaga-lume.
Neongalume.
A gente parou de andar porque a gente não tinha mesmo pra onde ir e a gente parou de falar porque a gente não tem mais o que dizer e a gente parou de ler porque placas em neon dão respostas só pra quem tem perguntas e a gente já não pergunta mais.
Sabirana, andorata, neongalume.
[Há sempre uma versão realista pra um conto de fadas e uma calçada encharcada de repente pode até virar o Pacífico e os nossos narizes entupidos de frio podem até virar a respiração presa por causa de alguma coisa nobre tipo o amor -  uma gripe pode até fazer papel de amor, mas só se a gente fizer muita questão... ]

A gente ficou parado e a gente nunca se virou pra tentar realmente ler o letreiro e a gente tinha medo de se olhar porque os olhos de quem a gente gosta são espelhos quando a gente finalmente atinge um nível triste de egocentrismo e medo... e talvez a gente tivesse atingido... e talvez.
E a gente não queria se ver um no outro porque "você é bom demais pra eu te chamar de eu", e a gente sabia disso e a gente achava que essa era a pior foma de a gente se ofender, e a gente já não queria mais isso, e aí a gente preferia se distrair com sabirana, andorata, neongalume. -  qualquer coisa que rastejasse ou fosse uma mentira e que não valesse um pensamento.

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