25.2.16

Estava ali sentado no sofá, o corpo tendo se transformado em um balão de borracha humanóide cor de laranja tão inflado que já ultrapassava níveis toleráveis de transparência. Seu eu real se prostrava no fundo do balão, caído lá dentro patético, como uma uva passa inanimada. Há um momento repetitivo tipo deja-vu quando parece que você se desloca na velocidade da luz ao avesso e se comprime ali no fundo de si mesmo e só sobra o caroço. Você perde toda a habilidade de controlar seus movimentos ou de falar ou de acessar a lógica do seu cérebro propriamente. Você é um alienígena para você mesmo, pequeno lá no fundo, e o que os outros olham é a carapaça plástica que você mesmo não é capaz de ver ou acessar. Se explicar se torna doloroso-quase-impossível.

Um comentário:

  1. "Se explicar se torna doloroso-quase-impossível". Há momentos nos quais não conseguimos nos dizer a nós mesmos. Ficamos embolorados como êtres en souffrance no balão de uma postarestante. Quo vadis seta da bússola de meu desejo? Se forço pra um outro lado o seu norte, a bússola se esmigalha, eu me esmigalho. É nessa última migalha que mora o meu impossível de me dizer... A noite me tateia, eu tateio as estantes. Num real ordinário, deparo-me com as Histórias Extraordinárias de Edgard Allan Poe. Detenho-me nos Crimes da rua Morgue. Auguste Dupin aproxima-se e sussurra ao meu ouvido: "Quase sempre, o impossível só é impossível na aparência","É no prego que impossibilita abrir a janela que está a possibilidade de abri-la". Vou pouco a pouco conseguindo me ler em minha última migalha, quando então, Dupin me diz:"Não procure se explicar apenas pelo que está no fundo, a explicação pode estar na superfície". Compreendo, então o quanto posso me explicar a mim, tão-somente pelo brilho de meu olhar, pelo que o faz brilhar. A minha última migalha começa a se acender e, estendida sobre a marquesa, eu me cintilo. A lua vai progredindo em seu horizonte e eu tenho olhos lima-gris-da-noite pra o tempo. Depois de me explicar, só me resta acessar o brilho de um outro olhar, afinal les lettres e les êtres sempre chegam aos seus destinos.

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