4.6.10

Shhh shh shhhhh sh

Pra quem nunca foi até o mar até que ele o conhecia bem.
Da varanda da casa de praia (na cidade da praia, mas longe da praia) o que ele via eram carros, mas o som do mar nunca se ausentava.
Ele praticou a vida toda e aos 60 anos era capaz de ouvir só o mar e nada mais - nada de carros, nada de vitrola, nada de rádio e de festa e de gente, só o mar.
Se lhe pediam para descrever o mar, no entanto, pouco poderia ser dito.
Ele chiava e chiava, com a boca em forma de bico e lançando umas cusparadas no processo.
Ninguém nunca entendeu o que aquilo tinha a ver com ondas e água e sal, e preferiam que ele tivesse falado das cores e do vai e vem, mas ele sempre soube que falar da cor do mar pra quem já sabe que é azul e verde não serve pra nada, que todo mundo sabe do sal e das ondas e sabem tanto, mas tanto, que ninguém guardou espaço nos pensamentos pra saber do que elas dizem.
Ele descobriu o que elas diziam trocando versos com o vento e descobriu quando o "Shhh" era grito e quando o "Shhh" era música.
Só é uma pena, simplesmente, que ele nunca tenha tido bico o bastante pra dizer na língua do mar nenhuma de suas rimas sutis e, ainda que tivesse, ele sempre soube que de nada adianta gastar saliva pra ouvidos que só sabem ouvir aos seus iguais.

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