27.2.11

Como se não se importasse nem um pouco

Ia colocando grão sobre grão... e ia prestando atenção, bastante atenção,  no vento que se espichava de vez em quando em direções proibidas pelas mãos-escudos que se prostravam heroicamente em prol de um algo bem maior.
Umedecia as pontas dos dedos delicados com a melhor salmoura que uma pontinha de onda poderia proporcionar e então acariciava o topo da pequena duna que ia tomando forma.
Tão cedo assim as gaivotas piavam mais baixo que era para não acordar os peixes, para não assustar o sol nascente, ainda tão sonolento... (ou então, gostava de pensar, simplesmente porque assim é mais bonito e porque assim a mágica do canto é exclusiva só para os ouvidos mais afiados e merecedores).
Delineava as curvas da construção e sorria longamente para a visão do que viria a ser um castelo sob medida para seu Rei e para si e para tudo o que têm direito os dois juntos.
Mas ao meio dia o sol lhe queimava fortemente a pele clara e era por isso que fugia, com os pés nús sobre a areia quente, para se esconder na sombra das palmeiras e só retornar com o próximo susurro dos pássaros pesqueiros.
Foi num sábado entediado que se acocorou pertinho de sua obra-prima e não conseguiu ver castelo nenhum... e bem deve ter sido pelo tanto que lhe falaram que castelos são castelos e que areia é só areia e que areia pode até fingir que é castelo, mas nunca vai ser.
Foi aí, acho, que perdeu a visão, e foi aí que de Rainha passou a ser menina qualquer, de picolé de uva pingando nas mãos e óculos escuros...  dos mais escuros que pôde econtrar, que era para não dar chance de olhar o montinho desfeito e se lembrar onde foi que enterrou um ainda latejante coração.


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