13.8.11

Sobre quem fica de fora

Um círculo de pessoas dando as mãos a coisas (televisões, discos de vinil, carros importados e camisetas da Frida) e as coisas dando as mãos a outras pessoas.
Algumas pessoas dão as mãos diretamente a pessoas.
Algumas coisas dão as mãos diretamente a coisas.
Estrelas, espaço-naves, raios gama, detonadores, a Mãe Física, a Mãe Química, e a tal da Teoria da Evolução.
Cinematica, gravidade, termodinâmica, bosón de Higgs, LHC, uma bomba, uma grande descoberta.
O universo inteiro é uma corrente de átomos de tudo quanto é raio de elemento organizados em tudo quanto é raio de organização possível.
O universo inteiro é uma gincana, um "caça ao tesouro", um "lencinho está na mão", pato-cinza, pique-esconde, menino-pega-menina (ou menina-pega-menino - e porque não menino-pega-menino também?).
O universo é uma rodada de War.
A ciranda gira, cada vez mais rápido, e os corpos se espremem tanto na ânsia de se locomover que praticamente se fundem.
Metástases de novas coisas salpicam na tua frente, se materializando da comunhão dos filhos do universo.
E o universo parece cantar uma cantiga de ninar para a sua prole maquinada, como se ela dependesse disso pra continuar girando.
Você se precipita para a frente mas recua.
Uma gota de suor alcança a sua têmpora latejante.
Uma nova tentativa e um cone sinalizador atravessa o seu caminho.
Não há espaço para você nesse jogo.
Você passou os últimos vinte e um anos - desde que saiu de uma barriga que andava girando por alí mesmo em meio a trovoadas e chuvas de granizo - tentando dar as mãos.
Você queria dar as mãos a tantas coisas!
A tantos "alguéns", tantos "aondes", tanto tudo!
Você queria sentir o toque de uma estrela cadente, de um urso polar.
Aí você cresceu e ficou com medo dos ursos e você descobriu que estrelas cadentes na verdade são cometas.
Você cresceu e tudo o que você queria então era dar as mãos com uma pessoa boa de prosa, um velho, um jovem, um mendigo, um ricaço, um zé-ninguém.
Mas as pessoas tinham coisas (e outras pessoas) demais nas mãos.
Assim, você decidiu parar de querer escolher, você decidiu que era hora de ser escolhido: se atirou pra frente, com os braços esticados e os olhos fechados torcendo pra roleta cósmica te favorecer.
Nessa hora passou um gato e miou que a brincadeira "gato-mia" tinha sido no verão passado e que no novo jogo não havia espaço pra gente que não podia ver.
Quando você conseguiu abrir os olhos você achou que a brincadeira tivesse mudado de novo e agora se tratava do "pique-esconde", porque você olhou, olhou e olhou e não viu coisa nenhuma do mesmo jeito.
Você ficou sozinho muito tempo, e quando conseguiu distinguir a roda girando a quilômetros de distância você saiu correndo e decidiu que não deixaria ela escapar.
É esse você que agora se encontra com ela bem debaixo do teu nariz, minusculamente reduzível a um rascunho tosco de texto qualquer e ao mesmo tempo tão grande que a Muralha da China ficaria com vergonha.
Você tenta se espremer entre um corpo e outro, você tenta perguntar por que é que tudo gira e você aí tão parado que não sabe o que é esquerda e o que é direita.
Você tenta descobrir por que é que tudo sempre funciona, porque é que tudo tem um lugar pra estar, por que é que você não.
Você quer saber, de uma vez por todas, por que é que toda vez que você respira o ar do universo você se sente tomando algo que não te pertence - um ladrão, um intruso, um penetra.
E você quer saber como é que se faz pra aprender o idioma do universo, porque você sabe que ele está cantando e que todo mundo está entendo (todo mundo sempre entendeu) mas você não faz a menor ideia do que se trata e talvez seja por isso que seu corpo todo colapsa e seus pés não te obedecem quando você diz pra eles que quer dançar também.


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