10.9.11

Diário de bordo I

Adormeci em plena sexta feira com as mãos em pose de defunto sobre o peito.
Queria a paz que só quem não é (mais) pode ter.
E não sonhei com absolutamente nada - sonhei com tudo e esqueci.
Não tentei lembrar...
Ou tentei não lembrar!
O esquecimento e a inexistência são a mesma coisa?
Não sei se são, mas me parece que vale a pena tentar.

Ao alvorecer havia uma chama de vela entre os dedos entrecruzados do cadáver que era eu.
Não era vela de macumba (ou talvez fosse) nem era vela de prece.
Era só o fogo que o mundo cisma em colocar nas nossas mãos como que um lembrete da responsabilidade de estarmos ainda vivos.
A gente é obrigado a deixar a frieza dos mortos de lado.
O mundo cobra isso.
A natureza cobra.
Coração não pára de bater só porque a gente diz que não quer mais...
E a verdade é que se a gente realmente não quisesse mais a gente não usaria palavras laminadas, a gente usaria uma lâmina de fato e pronto.
Mas a gente quer... não querendo.

Estiquei as pernas pra fora da cama e elas se dirigiram ao corredor.
Pensei: afinal, se se movem as pernas, se existem os passos, há de se haver portanto caminho.
Caminhei.
Ao meio-dia choveu.
Chovi também, de novo.
A chuva fez a vela escapulir dos meus dedos e eu gelei.
Só que não o bastante pra fazer o miocárdio estacionar, só o bastante pra minha carne doer ao limite.
É sempre no limite... um eterno escorregão sem queda.
E às vezes o que a gente quer é cair logo de uma vez...
Mas não.

Passei o dia com a respiração entrecortada tipo a do cara que acabou de levar um susto.
Passei o dia com o nó na garganta me esfolando as cordas vocais.
Não pude dizer nada, daí só engoli.
Sempre tive dom pra engolir tudo quanto é coisa, e os outros percebem isso e aproveitam esse meu talento me forçando goela abaixo toda sorte de porcarias.

Hoje caminhei no caminho que não tinha placas de sinalização, não tinha semáforo e nem faixa de pedestres.
Hoje atravessei a rua e senti um caminhão me esmigalhar no asfalto.
Quase que cheguei a aplaudir.
Só que o mundo sabe usar cola e, mesmo eu não querendo, ele me põe de pé de novo.
Cheia de rachaduras, mas de pé.

Nenhum comentário:

Postar um comentário