24.11.11

Dente de alho

O que se faz com as mandingas?
Quero dizer, o mundo já acabou, as bombas já explodiram, não existe mais nada pra que se rezar.
Não existe mais razão pra se proteger.
Você passou algumas boas estações acumulando toda sorte de objetos místicos que, disseram-lhe, te salvariam da perdição.
Na tua cabeça pende uma infinidade de colares, com umas espécies de nós, e eles envergaram seu pescoço para frente e te causaram uma nada bonita corcunda.
Você nunca se importou com isso, a proteção era mais importante... sempre te doeram os braceletes apertados e sempre te preocuparam aqueles que teimavam em cair do seu punho já esquelético: você passava os dias contabilizando pra ver se não havia nada sumido. Se sim, você caía no choro.
Se sentia fraco, se sentia à mercê do apocalipse, à mercê da própria degradação.
Eu não sei se foi por obra de outros ou se foi você mesmo que te ensinou a acreditar no poder de coisinhas tão estúpidas.
Nada disso poderia te proteger do vendaval, nem o anel mágico que você mesmo projetou.
Ele foi o primeiro a voar.
As paredes da sua casa eram cobertas de posters e fotos e pinturas sagradas, você olhava uma por uma antes de dormir, para sentir a presença divina.
Deitava-se na cama e esta dividia com você o peso dos escudos. Era sempre uma boa noite de sono, apesar dos demônios debaixo da tua cama... que poderiam eles causar a alguém como você, tão cheio de artefatos poderosos?
Você estava para escrever alguns versos de um mantra que você acreditava ser carregado de proteção na sua própria pele, bem em cima das próprias costelas, mas não deu tempo.
Você ainda pretendia colocar o seu manto de peles e sair à caça mais umas vezes, mas não deu tempo.
As granadas dispararam todas ao mesmo tempo, tudo o que você conhecia se tornou uma mancha... só sobrou você (ou uma parte de você) e as suas mandingas.
Sobre você mesmo você não sabe o que fazer, mas sobre as mandingas você sabe.
Você sabe que é hora de arrancar uma por uma, que é hora de perdê-las todas pro vento sem remorso.
Que é hora de deixar as pulseiras caírem pra sempre, colocar seu pescoço de volta pro lugar..
Mas é de seu feitio se sentir desprotegido, no matter what.
E é de seu feitio ser tolo, acreditar no que tiver para ser acreditado enquanto sua inteligência se recusa a aceitar os fatos como eles são: tudo o que havia para ser perdido já se perdeu, tudo o que havia para morrer já foi morto, tudo o que havia para acabar já acabou.
E você ainda se sente vulnerável, talvez mais do que nunca...
Você ainda quer cobrir seu corpo inteiro de santinhos, procurar umas palavras mágicas que revertam toda a destruição. Só que elas não existem.
Seus artefatos não te protegeram da tragédia e menos ainda serão capazes de dar-lhe uma transformação.
Ou você joga tudo fora agora ou seu pescoço logo logo se encosta no chão; ou você joga tudo fora agora ou da próxima vez que ouvir uma trovoada forte não vai conseguir correr de novo.

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