22.11.11

Fome




"Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos?"
(Pablo Neruda)


Hoje eu gostaria de dizer algo feliz, como por exemplo: o sol está maravilhoso! 
E ele está maravilhoso mesmo de fato, mas é totalmente externo.
(E o máximo que pode fazer por mim é me queimar a pele.)
Eu gostaria de dizer: todas as coisas me satisfazem - exceto uma.
E o problema todo é que essa uma pesa dez mil vezes mais que todas as outras:
Não estou nem perto de satisfeita.
Me armaram um banquete farto, mas só de folhas de alface...
E o prato principal (o verdadeiro enche barriga) ficou para algum dia desses aí.
Acordei morrendo de fome, ao ponto que começo a roer os pratos e as paredes.
Diz-se que há essas pessoas que se alimentam do sol e hoje eu gostaria de dizer para elas o seguinte:
Foda-se.
Ninguém pode se nutrir de sol, é preciso muito mais!
Brilho não é suficiente, é preciso algo especialmente elaborado para o nosso organismo.
Sinto falta do meu prato principal.
Talvez seja aquele tipo de coisa que a gente vira a noite pensando só porque não pôde abocanhar.
Porque a verdade é que em todos os outros dias também não tivemos prato principal, mas pelo menos havia o cheiro e havia a promessa.
Eles vinham até mim e eles diziam: Pode ser que... talvez possamos... temos possibilidades de... é viável que...
E ainda que o final da frase fosse carcomido pelos ruídos do mundo e dos problemas eu entendi que era só uma questão de tempo até que esse algo triunfante viesse calar os gritos do meu estômago vazio, do meu âmago vazio.
E a grande verdade, amigos, é que idéias e esperança também são boas preenchedoras de sacolas (diferentemente do Sol, eu garanto!).
Mas é como eu disse:  dessa vez não houve promessa alguma, só uma negativa! Um "parece que não teremos".
E, puxa!, parece mesmo que barriga tem ouvidos... acordei de boca selada mas com o corpo inteiro aos berros.
Minhas mãos se recusam a pegar as coisas, meus pés não sabem mais o significado da palavra "passo".
Eu nunca me senti muito alguém que pudesse se classificar "ser humano" e sempre tive esse desejo mais que latejante de me tornar uma pedra algum dia logo de uma vez, mas hoje eu não sou ser humano e eu não sou pedra e eu nem sequer posso dizer que "não sou nada" como sempre tive ânsias de enfatizar.
Hoje eu sou um alienígena, uma minhoca, um parasita.
Não sei exatamente o quê, mas certamente algo bem grudento e repulsivo... algo deprimido e rastejante.
Gostaria de dizer o quão maravilhoso o sol está hoje e o céu azul e coisa e tal e todas as coisas girantes e lindas e sempre felizes apesar de.
Mas só me escapam arrotos e roncos famintos, virei uma máquina de sentir saudade necessidade do meu prato principal e deve ser bem por isso mesmo que ele acabou mais rápido do que eu pensava...
Pensamento come as coisas?
Vai ver que sim... porque raras foram as vezes que tive nas minhas mãos e na minha boca meu prato farto de comida, mas agora o universo cisma em me apresentar a bandeja vazia e me dizer que "sinto muito senhorita, mas acabou."

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