21.11.11

Tem uma flecha bruta atravessada no meu peito e a sorte dela (ou dele) é que faz algumas horas já que não existe mais nada alí dentro que atravancasse sua travessia de um lado para o outro do meu corpo.
Meu coração é a água despejada do balde; se espalhou pelo chão e grande parte rolou pra debaixo dos móveis, outra parte se evaporou.
Sobrou um pouco encharcando meu colo, fazendo minha roupa grudar na minha pele, gelada como o fundo do oceano.
Eu nunca fui grandes coisas, sempre tive só a pretensão.
Há um momento na vida de cada um em que se acha que se achou o rumo e nesse momento a pretensão se confunde com a certeza de ser... mas só se confunde.
Quando se apagam as luzes do palco de repente e sem aviso, no escuro é inevitável ver de novo toda aqela mesma história repetente: não sou nada, nunca serei nada, não posso (não devo!) querer ser nada.
Me apaixonei por uma poesia como quem se apaixona por um ser humano de carne e osso.
Infelicidade a minha que poesia não sabe amar de volta, poesia não sabe repetir: te amo também!
A ponta da flecha que me atravessou o vazio é espetada como o espinho mais cruel da flor mais bonita, mas ainda assim me atingiu como um soco seco e largo e imperdoável de uma pessoa querida que se decepcionou quando descobriu que você não era tudo aquilo.
Meu coração aguado se empoça debaixo das coisas, do tapete, que eu já vi.
Começa a criar mofo e o cheiro ruim não tarda a aparecer.
Fui uma mulher que aprendeu a usar perfume todo dia, que aprendeu que podia usa maquiagem e se esforçar pelas coisas sem que isso deixasse de ser real e sincero, mas hoje meu coração se espatifou subdividido em uma quantidade incalculável de lágrimas e as lágrimas varreram tudo e o cheiro do mofo se sobrepôs ao perfume.
Minhas mãos são trêmulas demais apra alcançar o frasco na última prateleira. Me sinto pequena.
Tem uma flecha entre as minhas costelas e eu não sei o que faço com ela. Deveria arrancar?
Eu não sei, eu não sei o que se faz...
A poesia que me ensinou como se ama  não é só mais um pedaço de papel desses que se rasgam e se amassam com o tempo, é uma maravilhosa ideia dentro dos meus pensamentos e eu adoraria me tornar uma pedra livre desses mesmos pensamentos que me engrandesceram no passado.
Mas meu cérebro lateja, gostaria que a flecha o tivesse atingido em cheio ao invés de o rombo já pre-existente onde deveria haver meu coração.
Mas meu cérebro foi poupado e me sinto como um zumbi.
A única coisa que posso fazer é continuar um passo depois do outro, fingindo que tenho um enorme propósito e me tornar mais uma parte pequena de uma multidão de miseráveis que não têm consciência dos próprios farrapos.
Eu posso queimar o papel onde a poesia foi escrita, mas meu cérebro já foi condenado: decorei os versos um por um e os treinei diante do espelho dia após dia.
Sou a mais miserável dos miseráveis, gravei a ferro quente todas essas palavras grandiosas dentro do meu avesso mas me foi provado contra a vontade que elas carecem de sentido, que elas carecem de uma finalidade. Exatamente como tudo o mais!
Declamei cada estrofe como uma oração e hoje não me é mais permitido entoar essas "palavras insinificantes" que nada mais são que o devaneio que um pobre louco como eu (ou talvez eu mesma) que um belo dia não tinha mais nada de bom para fazer e resolveu descrever o por-do-sol e um abraço e um imprinting nas cores mais lindas que um alguém poderia sonhar.
Mas era só isso mesmo, um monte de palavras aleatórias montadas tipo lego.
Não sou nada, nunca serei nada.
E também a poesia que me deu uma razão para levantar todos os dias e me posicionar diante do espelho.
Nada é nada.
E o mundo continua girando, mesmo depois que você descobre isso, e a felcha continua engasgada no seu peito mesmo se você tentar arrancar com todas as forças.
O coração continua empoçado por todas as partes mas, dizem-me!,  é uma mera questão de tempo até que se evapore por completo.
E enquanto não aprendo a aceitar essa idéia continuo agachada sobre as poças tentando inutilmente juntá-las com as mãos e recolocar minha máquina-de-vida de volta no lugar que é dela.

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