20.12.11

Ás de Copas

A Lua entra escandalosa pelo par de janelas e a mesa central espelha o céu e os outros pares de janelas dos outros edifícios.
Há uma lembrança carcomendo as paredes - essas paredes que em compensação são tão novas -, um monstro sem olhos que engole todas as coisas e que se arrasta pela minha sombra como se estivesse atado aos meus pés. Meio que como se fosse meu cachorrinho de estimação (ou eu o dele).
Não existem dúvidas sobre como é que se chega no céu: se chega no céu indo para cima.
E ainda assim a gente senta para conversar, a gente arremessa o pêndulo um para o outro esperando uma solução.
O céu é pro alto, é pra lá que se vai.
Mas como é que se vai?
Eu não sei, você também não, e nem o monstro e nem as paredes novas.
Ou talvez a gente saiba, mas é que não temos foguete. É bem isso mesmo...
Puxa...
Nós não temos um foguete.
A gente não tem nem pipa, nem molas gigantes e nem asas.
A gente tem um par de braços cada um e a gente agita eles por aí e isso só faz cansar os ossos e a gente termina alí na esquina mesmo, sentindo cãibra e só. nos dois sentidos.

Não há muito o que ser dito. A gente tranca as bocas por um tempo e fica só ouvindo o chiado do monstro se alimentando das coisas que a gente achava que já tinham ido embora, se alimentando das coisas que a gente tem medo que um dia venham fazer coro.


["La noche esta estrellada y ella no está conmigo."

Não sei o que acontece com a minha cabeça que se enche de poesia dos outros quando minha boca não sabe versear por ela mesma.
Saio do foco, do ar, do mundo.

"Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo."

As poesias são sempre dos outros... e quando acho uma poesia que é minha descubro que as palavras certas não existem e daí ela fica sendo só um sentimento mesmo.]


Sinto minha respiração duplicar, um certo cheiro de pulmão dos outros (um outro menos "outro" que os poetas, no entanto) e me ergo vários centímetros no ar.
Estou deitada na mesa-espelho e o céu sob meu corpo. Olho para o alto e descubro que o tal do céu é por ele mesmo também um enorme refletor, talvez o maior de todos: lá estamos nós de repente, exatamente como a gente queria. Lá estamos nós - irrefutavelmente nós - competindo com o escândalo lunar.
A gente não precisa de foguete.

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