3.12.11

Poço dos desejos

Deu-se o dia em que fui surpreendida por um gênio esfumaçado na beirada da rodovia.
Eu andava por lá mais perdida do que qualquer pessoa desse mundo jamais esteve, eu aposto.
O gênio me disse que me concederia um desejo, de qualquer espécie, que se realizaria quando eu batesse os calcanhares.
Passou pela minha cabeça pedir pra voltar pra casa, mas seria um desperdício de desejo: nunca tive uma casa.
O fato é que sei lá por quê deixei o coração me atropelar o raciocínio e foi assim que ele tomou as rédeas da minha voz e pediu que o sujeito me desse a capacidade de respirar debaixo d'água pra que eu pudesse dar um mergulho profundo bem naquela lagoa no matagal do outro lado da estrada.
Três segundos depois era eu de olhos abertos a uns cinco metros de profundidade (parecia muito mais!) observando o leito sombrio que antes eu só imaginava.
No começo foi bom. Nadei toda a sua extensão, exceto quando a vegetação se adensava e me impedia a passagem.
Mais para as beiradas era só lama. Quem tentasse nadar vindo por fora se atolaria, certamente.
Me senti a mais vitoriosa das pessoas, a mais felizarda, a mais encontrada.
Eu nunca tive uma casa, mas e daí? Agora eu nadava na lagoa, era isso que eu fazia. E era o suficiente.
O gênio nunca me deu um prazo, eu achei que eu ficaria por lá mesmo por toda a eternidade já que o lado de fora do mundo não era pra mim.
O gênio nunca me deu um prazo, mas isso nunca significou eternidade pra natureza.
Todas as coisas chegam a um fim, sobretudo aquelas que não fazem muito sentido do ponto de vista dos embaladores de caixa na fábrica de seres humanos.
Era fácil ignorar os esganiços da população local do lado de fora achando que eu iria morrer - debaixo d'água a gente fica surdo.
Eu poderia ficar lá pra sempre, eles poderiam me enviar guinchos bem-intencionados (mas quase sempre mal-intencionados), eles poderiam me enviar salva-vidas... o que desse na telha deles.
Eu nunca sairia de lá, eu já havia decidido.
Eu planejei amarrar minhas pernas ao fundo com os retalhos da minha roupa e interpretar papel de transatlântico naufragado até que as algas e demais variedades do leito me encobrissem pra que eu virasse de vez parte daquele ecossistema.
Só que daí a lagoa me pôs pra fora.
Eu não conseguia mais me manter no fundo, a água me empurrava pra cima até que eu ficasse boiando. Daí que não adiantava de nada saber respirar feito peixe, não adiantava de nada.
Saí de lá derrotada numa manhã qualquer e voltei a perambular no meio-fio, só que então completamente encharcada.
Penso agora que as palavras certas fazem toda a diferença, penso que pedir pra saber fazer parte de algo é uma via de mão-única. 
Talvez tenha sido muita vaidade confiar grandes propósitos envolvendo 7,5km de extensão a uma mera mudança no funcionamento dos meus pulmões.
Penso que talvez eu devesse ter pedido pra lagoa saber fazer parte de mim também.

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