3.1.12

Atropelamento

Não sei o que estou fazendo.
Não sei se estou olhando a flor ou o penhasco: as visões se embaralham.
Falo em primeira pessoa porque perdi a vergonha na cara, porque tenho desesperanças várias, porque não tenho mais força facial para forjar qualquer outro sorriso.
Existe uma queda brutal bem diante do meu nariz, mas meu nariz gosta mais de cheirar a flor e me deixa bêbada demais e é por isso que eu não sei mais terminar frases e textos e lapidar as palavras pra que elas sejam o que elas deveriam ser.
Esses dias eu tropecei num anel enxovalhado de pedras.
Já conheci gente que mataria por ele, mas penso eu comigo mesma que se o desgraçado não tivesse tantas pedras eu não teria ralado meu joelho no asfalto quente.
Me apoiei direto com as mãos e agora perdi meu tato, sou uma bolha gigante de queimaduras tristes e ridículas.
Meus pais me lançaram numa banheira de gelo que disseram que vai passar.
Parte de mim pensa na banheira como uma excelente oportunidade para um afogamento, outra parte gosta mesmo é de sentir a dor da queimadura.
Fiquei assim: um pé para dentro e outro para fora da tal da banheira e um pé meu congelou e não sai mais do lugar e o outro pé meu se lança persistente para frente; uma frente que ele e eu sabemos que será sempre um passo adiante.
Nunca dei tantas liberdades assim para minha língua sair vomitando metáforas quando bem entendesse; hoje por exemplo a gente combinou que cru era mais legal.
Mas é assim que é, eu em mais de duas décadas não pude ganhar sequer respeito de mim mesma, do meu corpo.
Como é que eu poderia esperar não ser atirada em banheiras de gelo, em piscinas de cimento?
Esperar que as pedras visem meus dedos e meus bolsos e não meu caminho?
Esperar que adiante da flor tenha uma rede e um ombro pra descansar e não uma queda de sei lá quantos quilômetros?
Eu queria não me esborrachar no chão, pelo menos uma vez!
Mas o chão é o meu oposto magnético, o chão é o cara que me quer por esposa! Talvez por isso viva me oferecendo pedras e eu - babaca! - não entendi até hoje...
Vai ver que é isso... ou vai ver que não?
Quem sabe do que eu estou dizendo?
Eu não sei, as nuvens não sabem mais e a minha língua é uma máquina de gerar frases aleatórias.
Queria saber parar de relinchar!
Queria saber frear o galope, porque saltar alto o bastante eu já sei que não posso...
Mas estou vendo, camaradas, estou vendo bem:
A próxima cena é a flor esmagalhada pelas minhas ferraduras e a seguinte é a minha cara estraçalhada pelas ferraduras do fundo do poço do mundo.
E é tudo culpa do desgraçado do meu nariz.

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