17.3.12

O idiota escreve

Não havendo escapatória o idiota escreve.
O idiota se prostra diante do papel segurando o lápis como se tivesse uma faca na mão.
O idiota não pode mudar as coisas, o idiota não pode fazer nada. Ele escreve.
Ele escreve sobre como se sente, sempre disfarçado de algum outro ser humano (outro idiota), ele escreve sobre as vassouradas que levou da vida, ele escreve sobre escrever.
O idiota olha pela porta por onde passa a empregada e lhe dirige um sorriso.
O idiota finge que está tudo ótimo. Sempre... tudo ótimo.
O idiota só se deu ao direito de reconhecer a sujeirada debaixo do tapete para o papel.
O papel é o saco de pancadas do idiota e o idiota é o saco de pancadas da vida.
A empregada não é o saco de pancadas de ninguém (a que se saiba) e por isso não merecia sequer estar neste texto.
Este texto fala dos idiotas (o idiota e seu papel idiota e sua vida idiota), e a empregada não o é.
E nem os vizinhos o são.
E nem ninguém que o idiota tenha conhecido é. Todos são pessoas com falhas, mas idiotas... idiotas jamais!
[Nessa parte do texto o idiota se lembra que Pessoa já falou disso inclusive com melhores palavras... muito melhores.
O idiota é tão idiota que nem escrever, nem isso!, nem isso ele faz direito.]
O idiota se retira do dia como o fracassado se retira do jogo.
E ai!, quem dera deus ao idiota poder se retirar assim também da própria carcaça ordinária!

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