3.4.12

Resume-se a vida de um homem, na melhor das hipóteses, na construção de um alfabeto inteiramente novo.
Ele trabalha feito um louco debruçado nos dias traçando as letras, fazendo as correspondências...
Ele um dia consegue formular uma frase inteira com esse alfabeto.
Mas daí ele descobre que só ele entende.
Descobre que levaria mais que uma vida pra criar um alfabeto sem brechas, cada dia sendo uma gota da tinta, e que por isso não existem dias no tempo sobrando pra que se ensine alguém a pronunciar qualquer palavra.
Aí o homem fraqueja. 
Fraqueja porque queria conversar, o homem cansou de tentar responder às próprias questões.
Por isso ele pensa em nunca mais fazer uso de papel algum, de palavra alguma.
O homem cala a boca.
Mas é de sua natureza querer tudo que é do pássaro.
O homem vê o pássaro voando e quer voar e não pode.
Isso não tem jeito.
A segunda opção é o canto.
Aí o homem se inspira, porque isso ele pode.
O homem sofre de epifanias.
Ele então retoma o alfabeto no peito, uma lufada de propósito finalmente preenche sua vida vazia.
Se der sorte, antes de morrer ele cantará o próprio hino.
A poesia dele, escrita no alfabeto dele, pra uma melodia que ele cunhou no instrumento que ele inventou.
Pena é que ninguém entende, ninguém nunca vai entender, que é que diz a voz do homem.
E não há uma só alma pra cantar junto... 
[E o pobre homem sofre muito, porque quando era criança lhe contavam aquela lenda dos cantos em dueto.
Tudo mentira...]
Ademais, todos estão ocupados detalhando as próprias tipografias, gritando pras crianças como é que se faz o novo A.
E o homem fica velho e o homem fica só; melhor dizendo: o homem percebe que é só.
E o homem só morre só e com a voz falhando, e o alfabeto que o homem escreveu com bisturi nos próprios ossos se enterra imediatamente no esquecimento.

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