17.4.12

Sono



Quero que ela me diga qualquer coisa para eu acordar de novo.
- Alberto Caeiro


Um dia em que você acorda mas não acorda.
De olho aberto vê o mundo e nada pensa dele.
As mãos esbarram pelos móveis, as pernas trombam as coisas.
E nada sente.
O corpo inteiro coberto por um escafandro duro e congelado.
Ontem te disseram que você era doce, ou qualquer coisa do tipo.
Só que hoje tudo é insosso dentro da carapaça.

Não é só a Terra: o Universo todo gira, tudo se contorce espasmaticamente.
E em você nada disso.
Em você só mesmo o tempo.
A única sensibilidade pras suas mãos grossas de calo é essa: o tempo.
O tempo fez sucumbirem os outros sentidos.
Tudo é uma bolota de nada almofadado.
Nem cair você pode.
Os ponteiros giram (como tudo) deixando um rastro de piedade.
Aquela auto-piedade que você passa a sentir antecipadamente pela sua própria decomposição.
E a auto-piedade é um câncer e você sabe disso.
Mas hoje o escafandro não deixa saírem esses sentimentos.
Nada entra e nada sai.
A lucidez é fracassada, é vil.
Hoje você é inacessível para o mundo, da mesma forma que o mundo sempre foi para você.

Eu quero que ela - seja ela quem ela for, seja ela o que ela for - me diga qualquer coisa para eu acordar de novo.
Não existe sono pior que o dos despertos.

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