27.5.12


Um velho de vinte e quatro anos uma vez sentou do meu lado e disse no meu ouvido que todo viciado é um sol poente.
E hoje eu recostei meu corpo na ribalta de pedra no fundo do jardim exatamente como quem pousa um copo vazio em cima da mesa suja.
Devia ser quatro ou cinco da tarde, pelo que pude ler no ângulo cadente do sol.
Uma árvore seca e uma árvore plena de vida se convergiam em curvas direto para a perpendicular entre a casa e eu, meio que emoldurando o pôr, ou meio que provando uma pra outra teses sobre a vida e morte.
(Eu acreditei nas duas.)

Gosto de como o sol, no inverno, muda o verde das montanhas para dourado.
Ele faz isso, eu sei, que é pra me mostrar que tudo é sempre mais de uma coisa ao mesmo tempo, que tudo tem mais de uma cor, e que até eu também... e que tudo bem assim.
Gosto de como o sol, no inverno, só é quente quando atinge os pulmões e que quando toca a pele é tipo um carinho morno e desanimado.
Gosto, porque isso me lembra da minha lagoa que é impassível feito pedra, mas só na primeira camada.


Penso isso tudo agora, e os pensamentos escapam da boca feito fossem pássaros desesperados.

Todo viciado é um sol poente, e não existe pôr se não há levante.
O viciado se levanta para se pôr depois, e ele já sabe disso e é bem disso que ele gosta mesmo, se quer saber.
Nunca vou deixar de levantar com aquele mesmo pensamento que eu levanto todos os dias e nunca vou deixar de me pôr engolindo ele à força até o tal do copo esvaziar de novo.
Todos os dias.
O mesmo pensamento, a mesma garganta.
O mesmo copo lavado à esfregões de língua no final do expediente.
Eu levanto e caio e o meu pensamento levanta e cai e as vezes meu copo caí e quebra.
E e daí?
Acho que, se a gente pudesse ver o sol por trás da curva da Terra, a gente também veria os cacos dele arrebentados no horizonte...
E a questão é que no dia seguinte ele está inteiro de novo, mesmo que seja só pra poder arrebentar outra vez doze horas depois.

Todo viciado é um sol poente:
E eu ali, vendo ele escorrer.... eu acho que eu virei mesmo ele de vez.
Porque eu já não sou mais eu - voilá o ponto clímax da embriagues sentimental! - e eu preciso ser alguma coisa, porque tudo é formado pelo universo já com a obrigação (cretina) de ser.


Se é pra ser, meu corpo então agora é uma nebulosa, o berço; eu decidi.
E sinto meu coração rotacionando devagar, bem no centro da poeira, providenciando os decaimentos beta, os sei-lá-que da fusão do hélio, o hidrogênio virando outra coisa... e depois a outra coisa virando outra coisa e tudo virando tudo, porque tudo é tudo.

Meu coração é a bola de fogo que se esconde atrás do mar.
Meu coração é o sol, e eu sou, toda, o sol...
E minha única tarefa é trazer o verde da montanha mais pra perto da cor esquisita que eu tenho aqui...
Essa cor... que nasce da minha corona-estelar e que se dissolve no tempo, até o tempo deixar de existir.




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