24.5.12

Verbo conduzir, sujeito indeterminado



"Honey, what you're seeing there aren't stars. 
It's your nervous system."
(Biutiful, 2010)

Um lufada de ventania pela esquerda. Como fosse um soco direto na têmpora.
Fiquei pensando na vontade de enfiar a garrafa no chão, ver os cacos e ver o vinho escorrido e ver as caras de choques e as mãos levadas às cabeças.
Essa ventania que bate às vezes e muda o cérebro que nasceu com a gente.
Leva ele embora, traz outro. Eu não sou mais eu, agora eu sou o outro lado.
O lado que vê estrelas debaixo do teto fechado, o lado que cheira mar de dentro de uma caixa enfiada no fundo da terra.
O outro lado que quer meter mesmo a garrafa por todos os cantos.
Quer explodir mais que só os cacos: quer explodir justamente a tal da caixa que faz o cheiro do mar ser só imaginação.
Há dentro de cada corpo um deus da humanidade.
Penso: é agora, enfio esse diabo de porcaria direto no cimento.
E aí o deus: quieta, quieta que tu não é louca e que tu nem é nada.
Mordo os lábios e permaneço (em tese) sã.
Balanço as pernas em verticalidades nervosas.
Não arrebento a garrafa, que o deus não deixa.
Mas, pelo contra-verso, arrebento as garrafas de dentro.
Ah, isso sim!
Todas as veias, estouradas e derramadas tipo o vinho que eu queria ver derramar e estourar.
Escapam gotículas de aflição pelas bordas dos meus olhos.
O deus da humanidade é um grilhão cheio de discursos insistentes.
A ele, chamam de moral; a ele, chamam de bons costumes.
Eu o chamo cão-sombra.
Dizem (e provavelmente têm razão quando o dizem) que o cão-sombra é o que há de sábio e lúcido em cada um.
Não tenho pretensões de ser lúcida. 
Ponto.


[O vento sempre acerta, sempre pela esquerda, feito tipo um soco. Sempre.]

Pode ser até justo, pode até ser certo (o que é "certo"?), e ainda assim o discurso desse deus pra mim é uma caixa de ferro sem tampa, uma desgraçada de uma martelada perpétua.
E toda martelada dói em quem tem carne para sentir.
Isso basta.
Só de pensar nela meu coração dispara em alucinadas crises de claustrofobia.
Só de pensar nela...
Só de pensar nela, eu já não quero mais pensar
- nem nela e nem em nada.

Esqueço das paredes da caixa e volto a ver estrelas.


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