22.6.12

Diário Lunar e de Calçada I


Tem mais presença em mim o que me falta.
- Manoel de Barros

Caminha em cabeça baixa que é pra nao olhar a lua.
A lua hoje está borrada de névoa e ainda assim percebe-se que mingua... irrevogavelmente logo desaparece.
O U fino traga a tal da névoa e se assemelha a um sorriso desmachante e debochado.
Você caminha em cabeça baixa, desmanchado também.
A chuva é do tipo que não chove: permanece suspensa, nunca atinge o chão. Os mesmos granulados finos de água molhando os mesmos pedaços de pele, pendendo atemporalmente das mesmas pontas das mesmas folhas.
Cabeça baixa faz pensar melhor.
A lua vai des-sorrindo noite por noite até virar escuro.
A chuva que não chove é eterna só enquanto é. Ela também evapora quando a gente esquece dela.

As pessoas todas da calçada nos transpassam como fantasmas, existências de duração de nano-segundos, e nós somos os nano-segundos delas querendo ou não.
Tudo, absolutamente tudo, está em constante estado de escape. É isso.
Tudo o que vem, vai embora... ou, nas palavras de Goethe, alles nahe werde fern*.
Essa é a tendência, esse é o sumo das leis universais.
Esse é o próprio deus, esse movimento de rio que nos faz o tempo todo de imbecis... uns imbecis ficando para trás sempre de mãos vazias.
A desposse e o nãoter são as únicas constantes, tão duráveis quanto a própria medula de quem as carrega.
Nascem dela, morrem com ela. Só com ela.
Ninguém tira o que já não se tinha mesmo, nem o tempo (carrasco de tudo) pode isso.
E é por causa dessa latejante verdade que, se a gente puder ver um homem no próprio escuro, certamente o pegaremos de joelhos em plena adoração a tudo o que ele não pode ter... idolatrando todas essas ausências: suas únicas companhias reais.



*Tudo o que está perto se afasta.

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