2.6.12

Sobre jardins e microondas

O jardineiro veio e depenou as árvores todas... aquele desgraçado.
Agora o sol alcança cem por cento.
É árido, a grama não pode mais ser chamada de grama porque é tão rente que se vê as pedras por detrás.
Eu tinha um mato alí, e era bonito e era realmente um mato na melhor das performances que um mato pode ter.
Quando a gente deixa a cena correr solta sozinha ela é real, e cada emaranhado confuso é resultado da Verdade.
Os arbustos se formam por eles mesmos e as mudas mais fortes se sobrepõe, naturalmente, nos conformes darwinianos.
Ontem eu me sentei neste mesmo ponto do caos e um grilo saltou de dentro da margarida direto para a minha testa. Plof.
Antes no jardim a gente tinha grilos (tem gente que odeia grilo).
Antes no jardim a gente tinha carrapato (toda gente odeia carrapato).

Antes, no jardim, eu olhava e via meu lado de dentro transmutado em forma de barro revirado, de insetos insignificantes, de árvores escangalhadas e em livre crescimento sem sentido.
Mas o jardineiro tombou fora meu jardim, ele quis por ordem porque ninguém explicou pra ele que ordem e beleza são dois conceitos independentes.
Já não vejo mais minhas ansiedades saltando para fora das margaridas, já não enxergo mais minhas sinceridades nos ramos desgovernados.
Sento no jardim - com sua grama reta, suas rosas siamesas, seus animais inexistentes - e me sinto como quem se reúne novamente aos prédios que tanto tenta evitar.
Como quem corre de uma parede e dá de cara c'outra...
Que diferença faz verde ou concreto se o homem constrói o verde como que se o verde fosse também tijolo?
São tempos de ecologia de microondas.
É isso que é. E hoje tudo vai para o microondas, que eu já vi...
Os jardins e as ideias e as pessoas vem em pacotinhos de papelão (com um excelente design!) e plástico filme envolvendo o produto, para manter sua qualidade excepcional de Porcaria Inutil - mas bem fabricada.

O jardineiro tombou meu jardim e colocou um projeto de computador no lugar.
Pras cucuias com os homens e suas belezas e suas verdades pré-planejadas.
Que se vão todos para o inferno (digital, de preferência).

O jardim já não é mais bonito porque não é mais real... assim como as pessoas deixam de serem bonitas (e reais) conforme se sentam na sala de espera do mundo e começam a preencher a papelada de autorização para fazerem parte dessa maravilhosa espécie....  a mais bem desenvolvida das espécies: pronta para o consumo em apenas cinco minuntos na potência média.

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