19.7.12

Diário de calçada e temporal

O único jeito de se livrar de um vício é trocando ele por outro.
Fiquei vendo a chuva cair, olhando ela de frente.
Os pingos vão aumentando de tamanho conforme se aproximam dos olhos e tudo fica mais devagar.
Não é preciso fazer muito esforço hoje pra não piscar: é como se tivessem enfiado estacas entre as pálpebras ou como se, simplesmente, o corpo tivesse perdido a vontade de exercer suas próprias funções.
A chuva vai acertando o buraco lacrimal e invadindo ele como se ele fosse grande o bastante pra isso.
Um parto invertido.
O mundo chora pra dentro da gente...
Penso que há uns anos eu sentia uma espécie de melancolia branca, mas hoje ela tem gosto de cigarro e não tem mais qualquer parcela de nobreza.
Tipo o nosso sono, que chegou a um ponto que mais cansa do que faz bem.
Acordo doente de uma doença abstrata - um enjoo no coração ou algo do tipo - e o resto do dia é uma contemplação dela.
Alguma coisa muito séria mudou depois que eu passei a feder a fumaça, acho que pode ser que agora eu não saiba mais como se faz para chegar à conclusões ou porque agora eu considere todas insuficientes e deveras inconclusivas se a gente for pensar bem.
Desde que eu era criança, pode-se dizer que eu desaprendi um bocado...
O único ganho concreto é poder parar e ver os pingos caírem que nem uns aloprados direto na minha cara, feito tapas, e não sentir mais medo deles, porque afinal não faz lá tanta diferença assim apanhar mais um pouco, depois de tudo.

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