16.11.12

4º Manifesto do Terreno Baldio

O moleque anda, passos tortos de cacos.
Uma estrada muito limpa e cinza se faz ver por trás da cerca alta de mato vulgar: é por ali que passam as pessoas de verdade.
O moleque anda mais três metros e sustém o ar.
Uma moça alta na medida certa tem as pernas longas e se apoia no capô de um carro da melhor categoria enquanto que o moleque pensa que daqui pra lá os tico-ticos, os sabiás, os casaca-de-couro perderam o espaço pros pombos assim como os moleques arrebentados e enlmeados perderam espaço pras pessoas que parecem que vieram de filme, as pessoas de verdade, aquela mulher.
A lama pinga pela ponta do cabelo raspado curto e cai no olho e o menino esfrega e com o olho que sobra vê a moça fumar e chutar um pombo com a lateral do pé.
Tudo é cinematográfico demais da cerca pra lá... as mulheres não caem do salto, os homens têm a barba propositalmente ralada. O sucesso. O estilo. As nuvens que ou chovem pra valer ou existem só de cenário... e as nuvens de cá que estão em constante chuva mas nunca um temporal daqueles onde o mocinho beija a mocinha.
Do lado de cá não temos fotografias e não temos a persistência estética que faz fazer o gosto do cigarro ser bom.
Quando o moleque tira um cigarro amassado do bolso pra fumar é porque quer justamente meter gosto ruim na boca, deixar queimar como um pavio pra ver se a cabeça-bomba vai aos ares. Ele sempre teve essa curiosidade.
Mas o casaca-de-couro pousa do ombro e o cigarro nunca chega até o fim. O moleque ainda tem tempo antes de o pavio acabar e ele explodir. Isso fica pra depois...
E a mulher acaba o cigarro só até o ponto em que disseram que ele acaba, mas não até chegar na boca.
Por isso, vai ver, é que ela não explode... simplesmente joga o pavio no meio-fio, refaz o batom, entra no carro como fosse um manequim programado e quando o carro vira a curva e vai embora ela parece que deixa de existir... bem como nos filmes... quando a cena acaba, essas pessoas de verdade acabam também.
Exatamente como nos filmes...
E o moleque de mentira dá de ombros, tira uma catota do nariz e vai catar mais uns besouros gente-boa.


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